UFC 15: “O dia que a casa caiu no Missipipi”

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Depois de um ano de 1996 traumático, marcado por dois confrontos históricos entre Jiu-Jitsu e Wrestling (Murilo Bustamante x Tom Erikson e Fábio Gurgel x Mark Kerr), em que os americanos tinham mais de 30kg de vantagem na balança, o UFC 15 vinha sendo encarado pelos fãs brasileiros como o evento da redenção definitiva do Jiu-Jitsu. Onde dois dos principais faixas pretas de Carlson Gracie (Vitor Belfort e Carlão Barreto) enfrentariam duas das maiores pedreiras do Wrestling naquele momento: Randy Couture e Mark Kerr em igualdade de condições na balança. 

A bem da verdade Carlão Barreto já havia mostrado, alguns meses antes no UVF 6 que, sem diferença de peso relevante, o Jiu-Jitsu ainda dava as cartas, ao finalizar Kevin Randleman no Metropolitan Rio de Janeiro. Fato que só aumentou o interesse do mundo das lutas em assistir um clássico entre o melhor peso pesado da Carlson e o wrestler mais temido do momento. Possibilidade dada como certa para a final do torneio absoluto do UFC 15.

Barreto só precisava passar pelo canadense Dave Beneteau na primeira luta e torcer para o peso médio Greg Stott desse algum trabalho a Kerr para que ambos chegassem em igualdades de condições na final. 

Já na super luta, Vitor Belfort enfrentaria o talentoso wrestler Randy Couture, vencedor do torneio do UFC 13.

COBERTURA COM EMPURRÃO DE CARLSON GRACIE

Definitivamente me sobrava vontade para cobrir o UFC 15 em 1997, só faltava dinheiro. Percebendo meu esforço para tentar cobrir aquele show histórico, Carlson Gracie, com seu coração gigante, se colocou à disposição para vestir a camisa do patrocinador que eu arrumasse e ainda garantiu que faria Vitor e Carlão me ajudarem também. Uma atitude que pode parecer estranha para a conjuntura atual do MMA, mas que foi importante para o crescimento do esporte como um todo nos anos 90. Com o apoio da Fight Center (Rinaldo Santos) e Bibi Sucos (Serginho), além obviamente, de Carlson, Carlão e Belfort (que se dispuseram a posar com a camisa dos meus patrocinadores) lá fui eu para Bilox, no Mississipi. 

Assistindo as edições suntuosas do UFC hoje, um show vendido por 4,3 bilhões de dólares em 2017, é curioso lembrar que esta edição recheada de estrelas foi realizada numa lona de circo montada na parte externa de um pequeno cassino em Bilox, com capacidade para menos de 500 pessoas.

BELFORT É ATROPELADO POR COUTURE

Com apenas 20 anos e pesando 103kg, Vitor Belfort, que  vinha de 3 vitórias impressionantes (sobre Tra Telligman, Scott Ferrozo e Tank Abbot) estava nitidamente menosprezando Couture (104kg/34 anos), que havia faturado o torneio do UFC 13, com duas vitórias impressionantes: “Vou trocar Wrestling com ele”, me disse Belfort no dia anterior a luta, deixando até os membros de seu time preocupados.  

Uma outra preocupação da equipe dizia respeito ao tipo de preparação errada que Belfort estava fazendo com um conhecido fisiculturista americano, que parecia não entender que a sua modalidade e a luta, são atividades totalmente distintas. Resultado Belfort entrou pesado, lento e não achou Couture no octógono. 

De seu lado o Americano usou a tática perfeita, escapando das investidas de Vítor e cansando-o no clinche. Aos 3 minutos Couture já havia derrubado e passado a guarda de Belfort. A partir daí o americano definiu o confronto com quase 5 minutos de Ground n´pound. Aos 7 minutos a luta voltaria em pé, mas muito cansado, Belfort se tornaria presa fácil para o americano que, aproveitando o cansaço do oponente, lhe aplicou uma sequência indefensável de 15 golpes que levaram o brasileiro a lona. Couture caiu do lado e após uma série de joelhadas montou e tentou estrangulá-lo. Instintivamente Belfort se encostou na grade e não permitiu, Couture voltou a montada e, após uma sequência de 16 socos, obrigou o juiz Big John Mcarty a interromper a luta. Aos gritos de USA ! USA ! USA ! o capitão américa se consagrava pela primeira vez junto a sua torcida, enquanto Belfort saia do octógono carregado por Wallid. “Na realidade eu queria estrangulá-lo, mas a grade estava no caminho”, me disse após a luta Couture.

CARLSON ATRIBUI DERROTA DE VITOR A EXCESSO DE SEXO

Após a luta Carlson Gracie criticou duramente o pupilo alegando que o principal motivo para o seu baixíssimo rendimento, seria o excesso de sexo antes da luta. “Como é que alguém que passa duas semanas trancado no quarto com a namorada antes da luta pode vencer ? Assim não há atleta que resista. Sabia que se ele não ganhasse em cinco minutos perderia e foi o que ocorreu, mas o Vitor só tem 20 anos e certamente vai aprender muito com esta derrota. É só descansar 15 dias que ele volta ao normal”.

Depois deste confronto, Belfort e Couture voltariam a se enfrentar em mais duas oportunidades. Ambas em 2004, valendo o cinturão dos meio-médios. Na primeira, em janeiro de 2004 (UFC 46), Belfort no momento mais difícil de sua carreira, logo após o desaparecimento de sua irmã, faturou o cinturão após abrir um corte no supercílio de Couture a 46 segundos de luta. Sete meses depois, no UFC 49, Couture devolveria a derrota vencendo Belfort por nocaute técnico no 3o round, finalizando a trilogia com o placar de 2×1 para o wrestler.

CARLÃO PERDE NA DECISÃO E NÃO ENFRENTA KERR 

A derrota de Belfort foi um balde de água fria, mas não diminuiu a ansiedade dos brasileiros, uma vez que a luta mais aguardada da noite ainda estava por vir.

Carlão Barreto (1,94m/115kg), na época considerado o maior representante pesado do Jiu-Jitsu, Teria a oportunidade de enfrentar o novo bicho papão do Wrestling, Mark Kerr, que após vencer Fábio Gurgel na final do WVC no Brasil, já tinha enfileirado dois no torneio do UFC 13. 

O detalhe é que antes de pegar Kerr na final, Carlão precisaria passar pelo wrestler canadense Dave Beneteau (1,86m/118kg), o que não ocorreu.

Beneteau, que havia treinado Jiu-Jitsu por quase 3 anos com o brasileiro Pedro Sauer, fez uma tática perfeita para neutralizar o jogo do brasileiro.

Carlão começou bem clinchando, derrubando e pegando as costas do canadense, mas o brasileiro não conseguiu finalizá-lo. A partir daí, Beneteau colocou Carlão para baixo em três oportunidades e impôs seu Ground n’pound vencendo na decisão dos juizes e adiando o tão aguardado tira-teima entre Kerr e Barreto. No final Carlão evitou reclamar: “Não tenho desculpas, perdi porque subestimei o Beneteau. Ao invés de ouvir o Carlson e partir para a finalização resolvi castigar o oponente com socos. Errei e paguei com a derrota”, me disse após a luta o atleta visivelmente abatido . Já seu mestre Carlson discordou da decisão dos jurados. “O Carlão venceu aquela luta. Com certeza não rendeu tudo o que vinha rendendo nos treinos porque come o dia inteiro e não dá nem meia hora de descanso para o estômago. Só pode ser isso porque o treinamento foi perfeito”.

Do outro lado da chave Mark Kerr (1,84m/115kg) nocauteava em 22s com uma joelhada o gorducho Greg Stout  (1,73m/108kg), que foi chamado de ultima hora para substituir Steve Graham (1,84m/130kg), que rompera os ligamentos do joelho na semana anterior ao evento.

Muito cansado após 15 minutos de batalha com Carlão, Beneteau decidiu não voltar para fazer a final com a Máquina de bater. “Não considero o Kerr invencível, mas para vencê-lo tenho que estar 100%, minhas chances seriam mínimas nas condições que estou”. No lugar de Dave, entrou o alternate Dwayne Cason (1,78m/97kg), que também não foi páreo para Kerr. Após derrubar o oponente, Kerr lhe acertou alguns socos, pegou suas costas e definiu a luta com um mata-leão. “Na realidade eu vim preparado para enfrentar o Carlão, mas infelizmente ele não chegou as finais, espero que possamos realizar esta luta futuramente”, disse o campeão do torneio de pesados do UFC 15. Após o evento, Kerr falou conosco que não esperava que uma luta com Carlão fosse tão difícil como a que fez com Gurgel na final do WVC. “O Carlão é muito bom, mas acho que o Gurgel é mais técnico, não consigo ver uma luta mais difícil do que aquela. Se o Fábio tivesse meu tamanho teria me vencido”. Kerr falou ainda de um possível confronto com o colega Coleman, que o havia vencido em três oportunidades no Wrestling. “Não vai ocorrer. Além de treinarmos juntos, sou contra o confronto entre wrestlers. Tem muita gente boa para vencermos”. 

No dia seguinte ao evento o clima de enterro da equipe brasileira só foi amenizado no dia seguinte quando Wallid fez todo mundo gargalhar ao sugerir a manchete de capa que eu deveria usar na próxima Tatame. Uma pérola que marcaria aquela viagem: ‘O DIA QUE A CASA CAIU NO MISSIPIPI”.