UFC 12: A estreia de Belfort no UFC mais insano da história

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Vitor e Carlson comemorando a vitória
Vitor e Carlson comemorando a vitória

Após ver o UFC ser vendido por 4.2 bilhões de dólares em 2016, tendo se valorizado 1.1  bilhão em 4 anos (avaliado hoje em 5.3 bilhões), é curioso voltar a 1997 para relembrar o UFC 12, que no último domingo completou 24 anos. Além de ter entrado para a história como o evento que marcou a estréia de Vitor Belfort (vencendo o torneio) e a consagração de Mark Coleman (finalizando Severn), este show foi marcado por uma das maiores loucuras da história do esporte. 

Num momento em que as lutas do UFC ainda eram chamadas de NHB (No Holds Barred) e recebiam forte oposição de políticos e imprensa, a SEG (empresa que comprou o evento do brasileiro Rorion Gracie na década de 90) tomou a perigosa atitude de marcar a 12ª edição do evento para a cidade de Buffalo em Nova York, o estado americano mais radical na perseguição ao esporte. 

Esta seria a primeira edição com dois torneios divididos por categorias: peso leve (até 90kg) e pesado (acima de 90kg). E o Brasil chegou representando por dois estreantes da escola Carlson Gracie, Wallid Ismail (leve) e Vitor Belfort (pesado).    

Durante a reunião de regras, 29 horas antes do evento, eu havia acabado de fazer uma sessão de fotos com Vitor Belfort e Carlson Gracie no octógono que estava sendo montado, quando recebemos a notícia de que o show havia sido cancelado, por conta do forte lobby do Boxe, que contava com a força do senador Republicano John MCcain.

Com os pacotes de pay per view já vendidos, o jeito encontrado pela organização foi desmontar tudo, alugar um boeing e partir para Dothan, Alabama, a 1700km dali, onde o esporte era legalizado e as lutas permitidas.

“SE ESTE AVIÃO CAIR, ACABA O VALE-TUDO NO PLANETA”

Como havia 12 vagas excedentes no avião, o critério para definir os repórteres que iriam acabou sendo o de ordem de chegada no local. Quem chegasse primeiro na fila embarcava. Após quase duas horas esperando no saguão do pequeno aeroporto de Niágara Falls, fiz a burrada de evitar a enorme fila do único banheiro, atravessando a neve até um pequeno McDonalds. 

Quando voltei, o embarque no avião fretado pelo UFC já havia sido iniciado. Ainda consegui ver Carlson agoniado na escada da aeronave gesticulando revoltado comigo, mas nada pude fazer. Tentei argumentar com a esposa do Big John, Helen Mcarty, que controlava o embarque, mas não houve acordo.   

Diante da impossibilidade de chegar a tempo de ônibus, já começava a pensar na possibilidade de voltar para o Brasil, quando o  mestre pediu à sua ajudante, Una Proença, que descesse do avião e convencesse Helen a me deixar embarcar. A negociação foi tensa, mas a simpática tradutora conseguiu.

Ao entrar no avião ainda com as pernas bambas pelo susto, recebi uma das maiores espinafrações de minha vida. Lá no fim da aeronave, de pé, diante dos incrédulos americanos, Carlson gritava: “Poderoso vai no banheiro na hora do embarque! Ia se foder todo, bem feito!”. Foram momentos tensos, mas inesquecíveis com a trupe de mais de 20 brasileiros transformando o avião num carnaval. Com os principais lutadores do mundo a bordo naquele vôo, Carlson não perdeu a piada soltando uma de suas pérolas antes da decolagem: “Se este avião cair acaba o Vale-Tudo no planeta !”, arrancando uma gargalhada de todos que entendiam português.

Belfort e a trupe brasileira entrando no avião fretado para salvar o evento

EVENTO TRANSFERIDO E REMONTADO EM 14 HORAS

Desembarcamos em Montgomery, no Alabama, às 3h45 da madrugada de sexta. Os 200 passageiros foram divididos em cinco ônibus, que viajaram mais 1 hora e meia, chegando em Dothan às 5h30.

Uma fila enorme se formou no lobby do hotel. Lembro dos americanos Dan Severn e Coleman, que se enfrentariam na super luta do evento, cochilando apoiados no balcão na fila para o check in. O fato é que os lutadores foram dormir já com o sol nascendo, enquanto os técnicos, virados, montavam octógono e luzes. Foram 14 horas de trabalho para deixar tudo pronto para a transmissão do evento em cadeia nacional às 20h. 

BELFORT GRACIE E A PROMESSA CUMPRIDA

Mas o fato é que a recompensa valeu cada centavo que gastei para ir cobrir aquele evento insano. Afinal de contas não existe nada mais gratificante para um jornalista esportivo que testemunhar a consagração de um lutador que você acompanhou desde o inicio.

Ao assistir Vitor Belfort entrar naquele octógono pela primeira vez, não pude deixar de lembrar do brasileiro de Jiu-Jitsu na Akxe (três anos antes) quando Carlson me pediu para ficar de olho naquele faixa azul juvenil, segundo ele, “um Fenômeno” que venceria peso e absoluto. Dito e feito. Curiosamente aquele mesmo garoto me pediria uma foto de sua vitória quando estive na Academia na semana seguinte, inclusive sendo zoado pelos mais graduados quando me disse que um dia estaria na capa do Jornal O Tatame. E dois anos depois, lá estava ele na primeira edição de O Tatame em formato de revista. Ainda não na capa, mas já morando com Carlson em LA, numa reportagem que fiz onde o mestre já o apresentava como apto a desafiar os melhores do esporte, inclusive causando uma tremenda polêmica com sua família ao “rebatizá-lo” de Vitor Belfort Gracie.

E nesta estréia no UFC, definitivamente, Belfort fez jus às palavras do mestre. Em pouco mais de 2minutos nocauteou os bem mais pesados Tra Telligman e Scott Ferrozo, consagrando-se como o mais novo campeão de um torneio do UFC.  E diante daquela atuação incrível coube a Tatame realizar, por merecimento, a promessa que Vitor me havia feito em 1994. Tive a honra de produzir e fotografar esta foto em meus estúdio, com a luxuosa assistência do homem que o havia me apresentado naquele brasileiro de Jiu-Jitsu, seu mestre Carlson Gracie. Esta, aliás, seria a primeira de muitas capas.    

A DERROTA DE WALLID E A MUDANÇA NAS REGRAS

Mas aquela noite no Alabama não foi só de alegrias para Carlson. Considerado o favorito para vencer o torneio dos leves, Wallid acabou sendo vencido pelo japonês Takahashi, logo na primeira luta. 

Só entendi o peso daquela vitória para os japoneses ao ver a emoção do meu amigo Susumu Nagao. “Para nós japoneses vencer um faixa preta de Jiu-Jitsu brasileiro é como se a seleção japonesa vencesse a brasileira na copa do mundo de futebol. Hoje, depois do Rickson, o Wallid e o faixa preta mais conhecido no Japão”, me explicou emocionado a lenda da fotografia marcial.

Pior que Takahashi acabou quebrando a mão na luta com Wallid, não voltando para lutar a final. Melhor para o discípulo de Ken Shamrock, Jerry Bohlander, que após abusar da grade para evitar as quedas e derrotar Fábio Gurgel no UFC 11, soltou o jogo no torneio e conquistou o título dos leves deste UFC 12 ao finalizar Rainy Martinez e o alternate Nick Sanzo, ambos em menos de 2 minutos.  

No vôo de volta registrei o momento em que Wallid, ajudado por Una, foi dar uma dura em Big John e Art Davie na entrada do avião reclamando que não deveria ser permitido segurar na grade. Curiosamente, vinte anos mais tarde, fiz uma entrevista com Big John onde ele me revelou que as lutas entre Fábio Gurgel vs Jerry Bohlander (UFC11) e Wallid vs Takahashi (UFC 12) foram definitivas para que eles decidissem proibir que lutadores usassem a grades para defender quedas. Tanto que esta regra foi oficializada logo na seqüência.    

Sem conseguir derrubar o judoca japonês, Wallid foi eliminado da final do torneio

A CONSAGRAÇÃO DO GROUND N´ POUND

Os fãs mais novos que só tiveram a oportunidade de conhecer Mark “The Hammer” Coleman nos últimos anos, talvez não tenham idéia sobre o que este lutador representou na história do esporte. Muito antes de Kerr, Couture, Randleman, Henderson e Erikson, Coleman entrou no UFC e, num momento em que o esporte era totalmente dominado pelo Jiu-Jitsu, apresentou ao mundo o Ground N´Pound. Com um estilo marcado por muita força, excelentes quedas, “The Hammer” havia vencido dois torneios seguidos do UFC, feito que só havia sido conseguido por Royce Gracie.

A superluta com Dan “The Beast” Severn, principal oponente de Royce nas primeiras edições do show, neste UFC 12 era vista por muitos como uma comparação entre os dois maiores wrestlers do UFC. 

Não deu nem para o começo. Mesmo pesando 8kg a mais, Severn não viu a cor da bola. Em apenas 3 minutos, Coleman (1,84m/110kg/31a) derrubou Severn (1,87m/118kg/38a) já caiu montado, “The Beast” virou de quatro e, após ser bombardeado pelo compatriota, deixou o oponente cair em sua lateral, sendo finalizado no honke zagatami, conhecido vulgarmente como gravata de porteiro.

Após o evento toda a trupe teve que embarcar de volta para Búfalo, Nova York no boeing especialmente fretado pela SEG. 

Passados 24 anos deste histórico UFC 12 vale atentar que Nova York foi o último dos cinquenta estados americanos a aprovar o MMA. Foram necessários quase 20 anos até que o Madison Square Garden pudesse ser palco do evento, no histórico UFC 205 (novembro de 2016), que teve McGregor nocauteando Eddie Alvarez e se transformando no primeiro lutador a ter dois cinturões de duas categorias distintas (leve e pena).

*Texto e fotos: Marcelo Alonso