Heroes: A estreia de Paulão Filho nos ringues e a de Carlson Gracie como promotor

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Paulão atropelou o experiente Claudinho

Após a fatídica confusão no Pentagon Combat, que levou a proibição do Vale-Tudo no Rio de Janeiro por três anos, só mesmo um grande ícone do esporte teria a liderança necessária para reunir, os principais nomes da Luta-Livre e Jiu-Jitsu, num mesmo card em clima de paz. Assim foi o Heroes, organizado pelo lendário Carlson Gracie no dia 24 de julho de 2000 no ginásio do Tio Sam em Niterói. Além de excelentes confrontos entre as duas modalidades em dois torneios (até 81 e até 87kg) e quatro super lutas, o evento ficou marcado pela estréia do fenômeno Paulão Filho, nos ringues.

Texto e Fotos Marcelo Alonso

LUTA-LIVRE DOMINA TORNEIO ATÉ 81KG

Depois de três anos sem a possibilidade de lutarem em sua cidade por conta do quebra – quebra no Tijuca Tênis (Pentagon Combat), que levou o prefeito a proibir a realização de eventos de Vale-Tudo no Rio de Janeiro, Jiu-Jitsu e Luta-Livre finalmente aprenderam a lição pelos excessos cometidos no passado.

Como uma mãe que pega os filhos brigões pela orelha, Carlson Gracie, convidou lideranças das duas modalidades à provarem para as autoridades que já tinham condições de se enfrentar de maneira esportiva. Esta foi, sem dúvida a tônica do Heroes, que colocou no mesmo card os principais representantes de Carlson Team, Ruas Vale-Tudo, Budokan, Hugo Duarte e até do Karatê Machida em confrontos eletrizantes em dois torneios e quatro super lutas.

No torneio até 81kg Carlson convidou Aloísio Barros (Ruas Vale-Tudo), Marcelo Belmiro (Hugo Duarte), Roan Carneiro (Carlson) e Flávio Álvaro (Budokan).

Logo na primeira luta o único representante do Jiu-Jitsu, Roan Carneiro, acabou levando a pior na trocação, além de ter sido derrubado algumas vezes, perdendo na decisão para o aluno de Hugo Duarte.

Do outro lado da chave, Flávio Moura não deu chances a Aloísio Dado. derrubando várias vezes e dominando a luta, com um agressivo jogo de chão e também vencendo por decisão unânime.

Na grande final, Flávio, que já havia sido campeão do IVC, onde venceu 3 lutas numa noite, não deu chances ao pupilo de Hugo e faturou o título do torneio com uma vitória unânime.

NAVALHADA VENCE  LUTA-LIVRE DUAS VEZES

Se na categoria até 81 kg só deu Luta-Livre, na até 87, Jorge Navalhada fez jus ao Jiu-Jitsu do seu mestre Carlson Gracie em atuação de gala.

Na luta de abertura Antonio Bigú venceu por decisão unânime o aluno de Yoshizo Machida (pai de Lyoto), Paulo Afonso. O aluno de Hugo Duarte usou toda sua experiência de quedas para levar o karateca ao chão e dominar o combate, vencendo na decisão unânime.

Em sua estréia no torneio, Navalhada dominou o aluno de João Ricardo (Budokan), Israel Albuquerque. O representante da Carlson chegou a montar, pegar as costas e quase finalizar com um mata-leão.

Na final entre Carlson e Hugo Duarte, o clima esquentou, mas tudo no âmbito esportivo. Hugo e Wallid, que há alguns anos chegaram próximo às “vias de fato” quanto se encontravam nas ruas do Rio, gritavam por seus pupilos lado a lado na beira do ringue.    Após um início parelho com várias tentativas de queda defendidas por Bigú, o preparo físico de Navalhada começou a fazer a diferença. A partir de seis minutos de luta Bigú, para não cair por baixo, se jogou para fora do ringue duas vezes. Navalhada passou os últimos minutos socando de dentro da guarda e acabou levando o título do torneio na decisão.

A liderança de Carlson permitiu que rivais como Hugo e Wallid dessem instruções a Claudinho e Paulão, lado a lado

PAULÃO EM ESTRÉIA DE GALA

O evento teve ainda quatro super lutas. Na mais aguardada do evento Paulo Filho, fenômenos do Jiu-Jitsu e do Judô, que faria sua estréia nos ringues enfrentando seu grande rival da Luta-Livre Alexandre Cacareco, acabou recebendo a notícia a poucas semanas do combate que Hugo expulsara Cacareco de sua equipe e seu novo adversário seria Claudio das Dores.

O experiente Claudinho que já tinha cinco lutas, já tendo inclusive chegado a semifinal do IVC 13, não foi páreo para Paulão.  Com a mesma pressão que costumava mostrar nos eventos de Jiu-Jitsu, Filho atropelou o oponente e, após derrubar diversas vezes, obrigou o representante da Luta-Livre a desistir com socos da montada a 2min9s do 2º round. Ao final do evento até Hugo Duarte reconheceu o potencial do rival. “Este Paulão foi uma surpresa pra mim, lutando do jeito que lutou tem tudo para tratoriozar em eventos internacionais” anteviu o general da Luta-Livre. Seis meses depois, Paulão faria sua estréia no Deep japonês iniciando uma carreira vitoriosa que teria seu ápice em 2006 quando chegou a ser apontado como No2 do mundo na categoria até 84kg, atrás apenas de Anderson Silva.

ELI SOARES: UM FENÔMENO DESPERDIÇADO  

Em outra super luta o potiguar Jamir Buda, representante do Jiu-Jitsu, deu pinta de que venceria The Pedro (Budokan), mas caiu na armadilha do carioca que gostava de dar as costas para cair por cima. Por baixo Buda cansou e acabou batendo com mata leão. Na outra super luta Elcio Matos (Carlson) dominou Túlio Palhares (Budokan) vencendo na decisão unânime.

Mas sem dúvidas a grande surpresa da noite veio do nordeste, o aluno de Jair Lourenço,  Eli Soares, o qual eu mesmo indiquei para Carlson depois de assisti-lo dar um show, dois meses antes, no WVC 10, vencendo com tranquilidade três oponentes de seu peso na mesma noite. Após este evento, fiquei sabendo pelo mestre Jair (líder da Ac. Kimura), que Eli fizera o mesmo num torneio absoluto em Natal alguns meses antes.

O convite a Eli se deu quando Carlson Gracie me ligou informando que o oponente de Claudionor Fontinelli havia se machucado e me pedindo alguma indicação que aceitasse lutar em 15 dias. Não pensei duas vezes. Passei imediatamente o contato de Jair Lourenço, e seu aluno, conforme eu imaginava, não só aceitou a luta em cima da hora como venceu o duríssimo Claudionor Fontinelli com um mata-leão a 6min do primeiro round.

“A FERA DO NORDESTE” NO  LINHA DIRETA DA GLOBO

Seis meses depois, porém, eu e Carlson fomos surpreendidos com um telefonema de um repórter da TV Globo querendo nosso depoimento para o programa Linha Direta sobre “A fera do Nordeste”. Para quem não se lembra, o Linha Direta era um programa de enorme audiência, transmitido após a novela das oito, todas as quintas feiras (entre 1999 e 2007). A atração apresentava crimes bárbaros que tinham em comum o fato de

os criminosos estarem foragidos. Durante o programa o público era instado a ligar dando informações que pudessem levar ao seu paradeiro. Mesmo sem saber do que se tratava, Carlson, que já planejava organizar a segunda edição de seu evento, me passou uma tremenda reprimenda pela indicação. “Tu é um poderoso da pesada hein Marcelo, a luta já tem o filme queimado e você ainda me arruma um assassino pra lutar no meu evento?!”.

Marcamos para dar nossos depoimentos na academia de Carlson Gracie em Copacabana deixando claro que só conhecíamos o Eli por seu excelente currículo de lutador. O que de fato era verdade. Já pensando na edição do programa o repórter tentou tirar de nós algum adjetivo pejorativo tipo “frio”, “calculista”, mas não arrumou nada. Eu e Carlson só falamos do que podíamos atestar, a qualidade e o talento do Potiguar como lutador. Mesmo assim eu e Carlson fomos bastante usados pela edição do programa. Cada um apareceu duas vezes falando do lutador.

Eli acabou sendo preso logo após a exibição do programa por ter matado um garçom após uma briga de rua quando feriu a vitima ao aplicar uma queda que o fez cair de cabeça no asfalto. Mais tarde apurei com colegas de treino da Kimura que o lutador tinha problemas psicológicos e precisava tomar remédios controlados. Na reportagem que escrevi para a Kakutougi Tushin logo após o evento, Paulão Filho e Eli mereceram página dupla sendo apontados como promessas do esporte. Sete meses após a estréia no Heroes, enquanto Eli era preso, Paulão já fazia sua estréia no Deep japonês, chegando ao Pride no ano seguinte.

Vinte anos se passaram e, mesmo depois de treinar alguns dos maiores nomes da Nova União e o atual campeão do Bellator, Ryan Bader, Lourenço não tem dúvidas em apontar o maior talento que já viu nesse esporte. “O Eli foi o primeiro lutador que vi trazer o pacote completo, bom em pé, bom de chão, um gás absurdo e um psicológico inabalável, tanto que com 73kg venceu torneios absolutos do nordeste. Eu falo sem medo de errar: O Eli foi o maior talento que já vi dentro deste esporte”.

Depois de ver a luta socializar e tirar tantos talentos do mal caminho, é muito triste testemunhar o processo inverso com um garoto que certamente tinha tudo para dar muitas glórias ao MMA brasileiro, assim como Renan Barão, Claudia Gadelha, Jussier Formiga e diversos outros talentos do Rio Grande do Norte lançados no UFC por Jair Lourenço.