Mestre Paquetá, o cameraman mais querido do mundo das lutas

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Com o grande amigo Carlson Gracie

Se estivesse vivo, Oswaldo Gomes da Rosa, o Paquetá, teria completado 86 anos no último dia 8. Pedagogo, Diretor da Funabem, Faixa vermelha de Jiu-Jitsu, lutador de Vale-Tudo, melhor amigo de Carlson Gracie, maior acervo de vídeos do Jiu-Jitsu e acima de tudo, dono de um coração gigantesco. Era tarefa árdua encontrar no Brasil algum lutador que não tivesse recebido uma fita de presente desta simpática figura, cujo maior hobby era preparar coletâneas de lutas dos oponentes para os lutadores brasileiros. “Me traz a vitória”, costuma dizer o mestre para aqueles que tentavam pagá-lo. O bau de hoje é uma homenagem a esta unanimidade que tanta falta faz ao mundo das lutas.

Paquetá em ação

Por Marcelo Alonso (Matéria Publicada na PVT Mag de Agosto de 2012)

O começo  

O que levava um pedagogo aposentado muito bem pago pelo Ministério da Justiça, que foi diretor da Funabem durante 20 anos a perder dias inteiros filmando competições Jiu-Jitsu. “A paixão pelo esporte”, costumava responder Osvaldo Gomes da Rosa a todos aqueles que o viam sendo o primeiro a chegar e último a sair das longas e cansativas competições de Jiu-Jitsu, muitas vezes filmando mais de 40 horas de lutas.  

Depois de filmar tudo, Paquetá passava semanas editando e separando o material por categorias e faixas. Foi assim desde 1992, quando começou a filmar por sugestão do inseparável amigo Carlson e continuou assim até seus últimos dias. “Qualquer evento de Jiu-Jitsu e MMA eu tenho aqui”, costumava dizer orgulhoso o mestre mostrando sua videoteca a todos os colegas que o visitavam em seu apartamento em Copacabana.  

A relação de Paquetá com a luta começou em 1956 quando os jornais noticiavam as vitorias de Carlson. Ao ver um burburinho de pessoas em cima do grande ídolo da época, Osvaldo, que aos 17 anos, era office boy, tomou coragem e resolveu atravessar a avenida rio branco para conhecer a tão falada academia Gracie. Ao descobrir que o valor da mensalidade era exatamente o que ganhava (meio salário mínimo, 6 mil contos), exatamente o que ele ganhava para ajudar o pai gari a sustentar a família com mais cinco irmãos, Osvaldo decidiu desistir. Mas graças a um empurrãozinho de Carlson, conseguiu que Helio Gracie lhe desse um bom desconto, permitindo que treinasse as segundas feiras, ao lado de grandes feras da época como João Alberto, Athayde, Helio Vígio, Robson e Carlson Gracie. 

Como já praticava halterofilismo, sendo muito forte para os padrões da época, Paquetá logo passou a ser usado como sparring e posteriormente convocado para participar de eventos de Vale-Tudo, quando algum aluno da Academia Gracie faltava. 

Paquetá contava que chegou a participar de 11 lutas de Vale-Tudo, tendo vencido 6, perdido 3 e empatado 2. Um de seus oponentes teria sido Touro Moreno, pai dos medalhistas olímpicos do Boxe Yamaguchi e Esquiva Falcão. 

Aos poucos Carlson Gracie passou a ser, além de grande ídolo, seu melhor amigo, tendo usado sua influência política na época para ajudar Paquetá em diversas ocasiões, inclusive num episódio quando quase foi demitido da Funabem.  Paquetá também passou a ter importância grande na vida do amigo que o ouvia até na hora de escolher as namoradas. “Quando ele me apresentou a Marli, eu disse que era mulher pra casar e tempos depois ele se casou com ele e teve dois filhos o Junior e a Karen”, costumava contar orgulhoso o mestre.

Os inseparáveis amigos em dois momentos: nos anos 60 na praia de Copacabana e nos anos 90 na casa de Paquetá em Niterói

Graças aos conhecimentos de Jiu-Jitsu, Osvaldo passou também a dar aulas tendo fundado a primeira academia de Jiu-Jitsu da ilha de Paquetá. Orlando Saraiva, um dos principais precursores do Jiu-Jitsu em São Paulo, foi um dos alunos formados pelo mestre Paquetá, que além de treinar na Academia Gracie, costumava freqüentar também a academia do mestre Almir Ribeiro na Tijuca.   

MAIOR ACERVO DO JIU-JITSU

Em 1991, quando se aposentou da diretoria da Funabem, Paquetá foi incentivado pelo amigo Carlson a filmar campeonatos de Jiu-Jitsu. As poucos, além de filmar campeonatos, Paquetá passou a colecionar fitas dos mais importantes eventos de MMA do mundo, além de reunir fitas de eventos anteriores aos tempos em que filmava.

Graças a sua disciplina e organização, passou a catalogar tudo e em poucos anos se transformou no maior acervo de lutas do Brasil. 

Seu acervo era frequentemente utilizado por programas de luta como Passando a Guarda e todos os outros do COMBATE. Como tinha todas as edições dos maiores eventos, Paquetá passou a ser procurado também por lutadores brasileiros que pediam coletâneas das lutas de seus oponentes. Muitas vezes perdia dias olhando tape a tape e gravando as lutas que interessavam numa fita virgem só para ter o prazer de dirigir até as academia e entregar o resultado de todas aquelas horas de trabalho de graça para o lutador. Aqueles que cogitavam pagá-lo eram rechaçados com a mesma resposta. “O meu pagamento é a sua vitória”.

Lutadores brasileiros como Anderson Silva, Minotauro e tantos outros sempre receberam gratuitamente as lutas dos oponentes das mãos de Paquetá

O PRIMEIRO SUSTO

Em 2011 Paquetá sofreu seu primeiro infarto assistindo uma luta de José Aldo no UFC 136. Foi salvo pelo amigo João, que assistia o evento com ele e conseguiu convencê-lo a ir para o hospital. Depois de sofrer uma operação e colocar uma ponte de safena, Paquetá  se emocionou e teve idéia o quanto era amado no mundo da luta quando suas filhas Lilian e Fernanda mostraram as centenas de mensagens de apoio de amigos, lutadores e fãs em sua página no facebook. 

Em janeiro de 2012, Paquetá voltou a freqüentar eventos e academias, recebendo manifestações de carinho por onde passava. Em Julho recebeu a faixa vermelha de Jiu-Jitsu das mãos do presidente da Federação Robson Gracie. Apesar de seguir uma dieta, Paquetá tinha um quadro clínico muito bom segundos os médicos, mas Infelizmente no dia 3 de agosto de 2012 sofreu um ataque cardíaco fulminante e faleceu, deixando o mundo da luta órfão de uma de suas poucas unanimidades. 

A DESPEDIDA DOS AMIGOS 

Seja do Jiu-Jitsu, Luta-Livre, Muay Thai ou MMA, não havia um lutador que não tivesse um carinho especial pelo mestre. Na sequência separamos alguns depoimentos enviados ao PVT por amigos, lutadores, jornalistas e fãs do mestre faixa preta de Jiu-Jitsu 8º grau.

“Ele foi uma pessoa super presente na minha carreira, sempre procurando ajudar, prestativo e interessado em lutas e estratégias. Humilde, com um excelente coração, ajudou muito o crescimento do esporte. Com o hobby de filmar todos os eventos de Jiu Jitsu e gravar as lutas de MMA, tinha um grande acervo, que me ajudou muito a formar estratégia para minhas lutas. Ele gostava de discutir e analisar comigo o que estava por vir. Gostava muito de conversar com ele e ouvir as historias dele com o seu grande amigo Carlson Gracie. Paquetá vai nos deixar saudades”, Rodrigo Minotauro

“Grande homem, digno, justo, amigo e gentil, um faixa preta na essência. Deixará saudades, obrigado Mestre Paquetá” Carlão Barreto

“Paquetá, falar de você como amigo é uma tarefa fácil, difícil é escrever sobre você sem chegar as lágrimas, descanse em paz!” André Pederneiras

“Um grande amigo, parceiro, um cara de um coração sem igual, generoso ao extremo, bom ouvinte, sempre tinha uma palavra amiga, com ótimas colocações na hora exata! Sempre tivemos uma ótima relação de amizade, tive o privilegio de ter viajado várias vezes para o exterior com ele. Querido aonde chegava, sempre com aquele sorriso! Já está fazendo falta demais” Bebeo Duarte

“Quando meu filho nasceu ele me presenteou com um quimono bem pequeno… Nunca esquecerei a recepção calorosa dele em todas as vezes que o encontrei, seja no Brasil ou aqui no Japão. Fiquei muito triste de não poder visitá-lo nesta última vez que estive no Brasil, no UFC Rio 1. Tenho certeza que ele e seu melhor amigo, Carlson, devem estar dando boas gargalhadas no céu. Que Deus lhe abençoe Paquetá. Do seu melhor amigo japonês, Susumu Nagao”, Susumu Nagao, maior fotógrafo de MMA do mundo

“Difícil buscar as palavras corretas, mas o professor e amigo Osvaldo Paquetá foi realmente importante para todos aqueles que estão no mundo das lutas ‘desde sempre’. Comigo não seria diferente, amigo, conselheiro, piadista… Um exemplo de ser humano que sempre se preocupava muito com seus semelhantes, e não media esforços para ajudar no que fosse capaz. Eu tive a honra e a felicidade de passar boa parte da minha carreira ao lado do grande amigo, que vai fazer falta, e me marcou para sempre.” Denis Martins, UFC Brasil Manager/Editor

Grande Osvaldo Paqueta, um querido amigo que vai fazer muita falta, porém vai estar dando uns treinos com o nosso General e segundo Pai Carlson Gracie. Vida eterna para os guerreiros”, Wallid Ismail

entregando um DVD do Jungle para Wallid, que sempre brincava: “O Brasil é o único país do mundo onde o promotor pede fita ao pirata”

 “O Brasil em luto, mas o Céu mais feliz. Chega lá em cima um lutador em todos os sentidos. Um piadista, bom de papo, um Amigo com A maiúsculo, um dos maiores divulgadores do jiu-jitsu que já existiu. O dono do maior acervo de lutas de jiu-jitsu do mundo. Mais que um colecionador, muito mais que um cinegrafista, um apaixonado incorrigível e incansável pelo mundo das lutas. Lacuna insubstituível nas rodas de conversa. Profissionalmente, lacuna insubstituível na elaboração da estratégia de lutas para tantos campeões da atualidade. Recentemente, o faixa-preta de Carlson Gracie, e um dos maiores, senão o mais fiel amigo de Carlson, recebeu a merecida Faixa-Vermelha. Hoje, Carlson e Paquetá se reencontram, se abraçam e põem a conversa em dia. OSS, Mestre”, Mario Filho

“Estive no Brasil cobrindo os Mundiais de Jiu-Jitsu de 2000 a 2005. No Rio de Janeiro sempre ficava hospedado no estúdio do meu amigo Marcelo Alonso em Copacabana. Mesmo sem falar uma palavra em inglês o Paquetá me pegava lá todas as manhãs durante estes seis anos. Ele não falava japonês, nem inglês, mas no caminho para o Tijuca Tênis Clube não parava de conversar comigo. Ele falava muito rápido e eu tentava explicar que não conseguia entender nada dizendo “Non Portuguese”, aí ele começava a falar muito devagar explicando as coisas. Meu conhecimento de português ainda não mudou até hoje é por isso que quero agradecê-lo por tudo em sua língua. “Muito obrigado, Paquetá”, da mesma maneira que fazia quando ele me deixava na frente do Tijuca Tênis Clube. Deus o abençoe”, Manabu Takashima, o mais conceituado jornalista de lutas do Japão

“Em janeiro deste ano, mesmo ainda debilitado com problemas de saúde, Paquetá dirigiu por duas horas em um trânsito de sexta-feira, de Copacabana até o Recreio dos Bandeirantes, para me ver sendo graduado faixa-preta de Jiu-Jitsu no CT dos irmãos Nogueira. Este era o Paquetá, um amigo para todas as horas, que tinha como maior satisfação ver a alegria de seus amigos. Noticiar seu falecimento foi, sem dúvida, a notícia mais triste que pude dar nestes 11 anos do PVT”, Gleidson Venga

“Paquetá era um homem cujo maior prazer era presentear os amigos, principalmente os lutadores brasileiros, que graças a suas coletâneas podiam analisar detalhadamente seus oponentes e traçar estratégias de luta. “Meu melhor pagamento é a sua vitória para o Brasil”, dizia a eles para aqueles que cogitavam pagá-lo. O mundo da luta deve muito a este homem de coração gigante., Marcelo Alonso.

 

UM MÊS MARCADO POR GRANDES PERDAS   

Além do cameraman mais querido do MMA, o mês de agosto também ficou marcado pelo falecimento dos pais de três grandes nomes do esporte mundial: Paulo Filho, Wanderlei Silva e Fedor Emelianenko. Muito debilitado em decorrência de várias cirurgias cardíacas Seu Paulino, maior apoiador do filho Paulão Filho,  faleceu no dia 4 de agosto. No dia 18 de agosto foi a vez de Vladmir Alexsandrovich Emelianenko, pai do russo Fedor, que faleceu (causa não divulgada) durante uma cerimônia em sua igreja. No dia 26 de agosto o pai de Wanderlei Silva, Holando Pinheiro, se envolveu num trágico acidente automobilístico no Paraná.