ADCC 2000: A consagração de Ricardo Arona

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O lance que garantiu a vitória de Arona sobre o campeão de 99, Jeff Monson

Realizada nos dias 1,2 e 3 de março de 2000 em Abu Dhabi, a terceira edição do ADCC foi marcada pelo domínio brasileiro. Das seis categorias em disputa, só em duas o ouro não terminou com representantes nacionais: Acima de 98kg e absoluto, Ambas vencidas pelo mais temido nome do Vale-Tudo naquele momento, Mark Kerr.

Na categoria mais leve (66KG), o Brasil levou ouro e prata com Royler Gracie e Alexandre Socka; no 77kg, Renzo Gracie (1º), Jean Jaques (2º), Marcio Feitosa (3º) e Leonardo Vieira (4º) garantiram um pódio 100% brasileiro. No 88kg, Saulo Ribeiro venceu Ricardo Libório na final. Mas sem dúvida o grande nome da competição foi Ricardo Arona. O faixa marrom da Carlson, que havia eliminado Amaury Bitetti na seletiva interna, só faltou fazer chover no deserto. No final, além do título, ainda ganhou a faixa preta do mestre Ricardo Libório e um convite para iniciar sua carreira no Vale-Tudo no Japão, no mês seguinte.

Texto e fotos: Marcelo Alonso

O lance que garantiu a vitória de Arona sobre o campeão de 99, Jeff Monson

TERROR DOS WRESTLERS

Se em 1999 Jeff Monson foi eleito a grande revelação do evento, após vencer Rigan Machado, Roberto Traven e Saulo Ribeiro, neste ano o “Homem de Neve” acabou sendo o empurrão final na consagração do grande personagem da 3º edição do ADCC, Ricardo Arona.

Apesar de seu domínio na seletiva nacional e da impressionante vitória numa guerra de 40 minutos na seletiva interna da Carlson com seu ídolo Amaury Bitetti, o faixa marrom da Carlson sabia que não tinha como estar entre os favoritos numa categoria recheada de estrelas consagradas como Murilo Bustamante, Tito Ortiz, Mike Van Arsdale, Nino Schembri, Matt Hughes, Karimula Barkalaev (campeão até 88kg em 99) e Jeff Monson (campeão até 99kg em 99). E como coadjuvante e foi jogado na pior chave.

Na primeira luta Arona passou com tranquilidade pelo japonês Hiromitsu Kanehara. A partir daí só pegou pedreiras. Primeiro o campeão até 88kg do ano anterior, Barkalaev que inclusive havia eliminado seu parceiro Amaury Bitetti num luta polemica. Professor de Wrestling da equipe montado pelo Sheik Tahnoon em Abu Dhabi, Barkalaev não entendeu nada quando Arona lhe aplicou uma queda logo no inicio e, empurrado pela torcida local, passou a querer retribuir. O clima entre os dois começou a esquentar, até que uma troca de pegadas na nuca se transformou numa espécie de “campeonato de pescotapas”. “Fui responder na mesma intensidade um tapa que ele me deu, só que ele se afastou e pegou no rosto, ai ele virou o demônio e partiu pra cima de mim com chutes e socos”, me disse Arona explicando a razão de o russo repentinamente ter passado para as regras do Vale-Tudo no meio do combate. O brasileiro, ouvi Mario Sperry e Tetel em seu corner, recuou e deixou os juízes entrarem para segurar o russo descontrolado. Sob o olhar atento de seu patrão, Sheik Tahnoon, Kareem, meio a contra gosto, resolveu aceitar as desculpas do brasileiro e voltar a lutar. Com o russo claramente desconcentrado, Arona conseguiu mais duas quedas que não foram computadas como pontos, porque o russo logo levantou, mas deixaram ainda mais clara sua vitória. Ao final, quando os juízes decidiram em favor do brasileiro, Barkalaev partiu para a arquibancada onde estava a torcida brasileira fazendo gestos obscenos. A resposta de Tahnoon não tardou. Em menos de uma hora Barkalaev seria demitido e preso, sendo deportado do país. Contei esta história em detalhes no 6º episódio do Raiz do MMA no canal do PVT no Youtube.

ARONA X TITO ORTIZ

Arona descansou menos de meia hora da guerra com Barkalaev e foi chamado para a semifinal com Tito Ortiz, que havia finalizado Arsdale em 3 minutos. O resultado se refletiu na luta, enquanto Arona parecia tentar se recuperar, o ex-campeão do UFC entrava com tudo conseguindo em duas oportunidades derrubar Arona, mas sem estabilizar. Quando a luta parecia estar definida, Arona voltou a atacar com perigosas tentativas de queda e levou a luta a prorrogação, para revolta de Tito. A partir daí a história mudou. O brasileiro passou a ser mais agressivo e após aplicar duas quedas, mesmo sem conseguir estabilizar por 3 segundos, conseguiu a vitória na decisão. “Eu não perdi esta luta de jeito nenhuma. Não havia razão pra prorrogação”, me disse revoltado após a luta Ortiz, que garantiria US 3 mil pelo terceiro lugar após vencer o compatriota Matt Hughes, que entrou duas divisões acima da sua por não haver vagas nas chaves de baixo, mas ainda assim fez bonito.

A vitória sobre Ortiz só aumentou a motivação de Arona que partiu como um trator para cima de Monson logo no início da luta colocando-o para baixo com um empurrão e chegando as suas costas. A partir daí a luta virou uma guerra com quedas para ambos os lados. Mas no final dos 20 minutos a maior agressividade do brasileiro foi levada em consideração na decisão dos jurados. Além de ganhar US 10 mil e se consagrar como grande revelação do evento, Arona ganhou a faixa preta no pódio e recebeu, lá mesmo em Abu Dhabi, um convite para estrear no RINGS japonês dali a um mês iniciando sua carreira no Vale-Tudo.

Arona recebendo a faixa preta no pódio ao lado de Ortiz e Monson

ROYLER O MAIS TECNICO DA COMPETIÇÃO

Depois de protagonizarem a final de 1999, os rivais Alexandre Socka (Barra Gracie) e Royler Gracie voltaram a se enfrentar após enfileirarem todos os oponentes. Royler começou vencendo o havaiano Barret Yoshida com uma raspagem, passando na sequência pelo japonês Jiro Wakabayshi por inacreditáveis 22 x 0 e garantindo sua vaga na final ao pontuar 10 x 0 contra o americano Anthony Hamlet, que havia eliminado João Roque.

Do seu lado da chave, Soca começou vencendo o japonês Takumi Yano por ampla  margem, pegando as costas do wrestler russo Alexandre “Sasha” Plavski na segunda luta e finalizando, na semifinal, o tetracampeão americano de Wrestling Joe Gilbert, que havia eliminado o Rei do Shooto, Alexandre Pequeno, na luta anterior. O detalhe é que nos minutos iniciais da luta, Soca atacou uma chave de pé no americano, que defendeu e retribuiu com uma chave de joelho, que acabou o lesionando. “Se fosse um campeonato de Jiu-Jitsu não lutaria a final. Já operei duas vezes cada joelho e só lutei porque tinha prêmio envolvido. Não posso nem ouvir falar em cirurgia”, me disse Soca. Ciente que um descuido poderia levar a luta para um final parecido com o do ano anterior (Royler o finalizou com uma chave de pé), Soca resolveu adotar uma postura mais defensiva e facilitou a vida do Gracie, que fez muitos pontos e garantiu US 10 mil pelo bicampeonato, além de US 1350 por ser o atleta mais técnico da competição.

Os primos campeões Royler (66kg) e Renzo (77kg)

RENZO E JEAN JAQUES ROUBAM A CENA NO 77KG

Depois do show que deu em 1999, sendo apontado como atleta mais técnico da competição, Jean Jaques Machado enfrentou uma chave muito mais disputada em 2000. Com nomes como Renzo Gracie, Vitor Shaolin, Marcio Cromado, Léo Vieira, Marcio Feitosa, Hayato Sakurai, Kaoro Uno e Denis Hallman. Mais uma vez o Machado deu show, porém desta vez dividiu os holofotes com o primo Renzo, que vinha de uma luta de Vale-Tudo no Japão uma semana antes. Já na primeira luta Jean só precisou de 3 minutos para raspar, pegar as costas e finalizar o representante da Luta-Livre, Marcio Cromado, com um mata-leão. Na segunda luta, Jean não tomou conhecimento do wrestler do UFC Mickey Bourmet, Puxando para a guarda, raspando, montando e finalizando com um estrangulamento da montada, que ele batizou de abafa, a 3min40s. Na semifinal Jean Jaques repetiu a mesma receita, puxou, raspou e pegou as costas. O detalhe é que o oponente desta vez era Leozinho Vieira, que havia eliminado Vitor Shaolin numa das melhores lutas da competição. Ao contrário dos oponentes iniciais, Vieira resistiu as tentativas de finalização, mesmo assim acabou perdendo por 9×0. Do outro lado da chave, Renzo garantiu sua vaga na final pegando as costas do americano Denis Hallman, fazendo o mesmo com o representante da Luta-Livre Israel Albuquerque e finalizando o seu aluno, Marcio Feitosa, com uma guilhotina em 5 segundos e garantindo o prêmio de finalização mais rápida da competição. A final entre os primos Renzo e Jean Jaques foi muito estudada e deixou a desejar. Jean foi mais ofensivo tentou várias raspagens e triângulos, mas acabou perdendo por ter puxado Renzo para a guarda. O detalhe é que Renzo havia acabado de lutar Vale-Tudo no evento japonês RINGS cinco dias antes. Se faltou emoção na final, sobrou na disputa de terceiro lugar no clássico brasileiro entre Leonardo Vieira e Marcio Feitosa. O atleta da Barra Gracie acabou levando a melhor ao conseguir uma queda no overtime, levando o premio de US 3 mil .

SAULO RIBEIRO: O ANTIDOTO CONTRA RUSSOS

Em 1999 o Brasil chegou com um verdadeiro Dream Team: Fábio Gurgel, Amaury Bitetti, Renzo Gracie e Ricardo Libório. Não é a toa que ninguém cogitava a possibilidade de surpresas. Pois os russos Alexander Sasha Savko e Karimula Barkalaev, mais familiarizados com as regras, jogaram Vodka no nosso Açai e acabaram ficando com ouro e prata na divisão.

Em 2000, porém, o Brasil ganhou um reforço de peso. Saulo Ribeiro, que havia lutado na divisão mais pesada em 99, resolveu descer para o seu peso de origem e botar ordem na casa, ao lado de Ricardo Libório, garantindo a final dos sonhos de qualquer fã de Jiu-Jitsu.

Para chegar à tão aguardada luta com o campeão de 99, Saulo raspou Jerry Bohlander (2×0), finalizou Dave Menne (Mate-Leão). Enquanto isso o russo, que eliminou Gurgel e Libório em 99, vencia Marcus Vinicius Corval da Luta Livre com uma queda e Flavio Cachorrinho (um ponto negativo por puxar para a guarda). Na semifinal contra o melhor competidor do Jiu-Jitsu brasileiro naquele momento, o russo não conseguir impor seu antijogo como fez em 1999. Saulo não tardou a conseguir uma raspagem, chegando as costas do russo e garantindo sua vaga na final contra o rival da Carlson.  Já Libório, para chegar a grande final, finalizou o vencedor da seletiva japonesa, Toshiyuki Oyama, com um mata-leão. Na segunda luta Libório pegou as costas e passou a guarda do criador do esqui-jitsu Roberto Roleta e venceu Jorge Patino Macaco na semifinal por pontos. Macaco se contundiu seriamente ao aplicar uma queda no faixa preta do Carlson, que caiu em cima do seu braço. E mesmo com dois ligamentos rompidos, o casca-grossa e ainda fez um lutão pelo terceiro lugar com Sasha.

No clássico Gracie x Carlson na final, a maior experiencia de competição de Saulo fez a diferença. Libório começou tentando uma queda, Saulo defendeu e Libório, desequilibrado, sentou fazendo guarda. Aproveitando o bom momento, o amazonense chegou a meia-guarda do faixa preta de Carlson, que aproveitou a posição para atacá-lo com um leglock e, posteriormente, com uma chave de pé. Na ânsia de defender o joelho já machucado, Saulo acabou permitindo a inversão, caindo por baixo. A luta voltou em pé e o faixa preta de Royler Gracie passou atacar mais, enquanto que Libório, Certo de que estaria a frente, passou a andar para trás , segurando o resultado. O tempo acabou e os juízes apontaram Saulo vencedor. “Dei uma chave de pé e fui pra cima, o que pra nos é raspagem, não entendi porque não deram os pontos”, reclamou Libório após a luta. “Estava muito atento a mesa, depois que ele fez aquela vantagem do leglock e começou a andar para trás eu vi que os juízes estavam escrevendo no papel”, me revelou o campeão mostrando que sua malandragem de competição fez a diferença.

Saulo venceu Libório num clássico brasileiro na final até 88kg

MARK KERR VENCE OITO E FATURA PESO E ABSOLUTO

Aqueles que imaginavam que Mark Kerr só sabia derrubar e martelar tiveram que se calar em 1999, quando Kerr venceu Carlão Barreto, Josh Barnett e Sean Alvarez, faturando o ouro na divisão mais pesada. Pois em 2000, a Máquina de Bater voltou ainda melhor, misturando seu excelente jogo de quedas com um ótimo controle posicional, Kerr venceu 8 oponentes e faturou peso e no absoluto. No peso (acima de 99kg), após derrubar e finalizar Josh Barnett (mata-leão) e Antony Netzeler (Kimura), Kerr passou por Rigan Machado (ponto negativo por puxar para a guarda) e na grande final não teve problemas para derrubar o companheiro de treinos Rico Rodrigues. Ao contrario de 1999, quando se cansou no peso e preferiu não entrar no absoluto, em 2000 o americano veio decidido a faturar o maior premio do evento.

Dos 80 competidores presentes, 36 se inscreveram no absoluto. A escolha dos 16 que formariam a chave da divisão ficou nas mãos de Tahnoon, que aproveitou a oportunidade para casar um clássico “Davi x Golias” entre Wrestling e Jiu-Jitsu, colocando Leonardo Vieira (73kg), de cara, contra Mark Kerr (110kg). Quando os dois foram anunciados o ginásio inteiro ficou de pé. Depois de escapar de uma queda do grandalhão, Léo ligou o motorzinho e deu trabalho ao americano, que não conseguiu pontuar. O brasileiro só foi eliminado por perder pontos ao escapar do ringue.  “Só a pegada dele no meu tornozelo já doía”, me disse Leozinho ao final da luta, que foi premiada como a melhor da competição. Na segunda luta, Kerr aplicou uma queda no compatriota Mike Van Arsdale e foi pra semifinal com Ricardo Cachorrão, que havia finalizado Josh Barnet (com uma guilhotina) e Vitor Shaolin (com um leglock). Cachorrão começou a luta chamando o Wrestler para a guarda e escalando um armlock no pau. Kerr conseguiu escapar. O brasileiro continuou atacando o wrestler até o final, mas perdeu por ter puxado para a guarda. “O erro dele foi querer ajustar o armlock, o que acabou me abrindo espaço para tirar o braço. Não chegou a estalar, mas talvez amanhã acorde doendo porque isso não é muito normal para minha articulação”, me relatou o Kerr logo após a luta.

Kerr x Leo Vieira: O clássico entre Davi e Golias na abertura do absoluto que ganhou o premio de melhor luta do evento

Ao contrário de 1999, nesta 3º edição Tahnoon decidiu realizar toda a chave do absoluto no sábado deixando só as finais para o domingo. Kerr garantiu os US 40 mil após derrubar, passar a guarda e montar em Sean Alvarez. Cachorrão ficou com os US 3 mil do 3º lugar ao passar a guarda de Rodrigo Comprido, que havia perdido para Tito Ortiz numa das melhores lutas da competição. Muito desgastado após três guerras com Arona, Comprido e Hughes (3º lugar do peso), Tito decidiu não voltar para a disputa de 3º lugar do absoluto, cedendo sua vaga ao faixa preta da Alliance.

ZE MARIO VENCE 3o ADCC SEM LEVAR PONTOS

A enorme expectativa pelo confronto entre o campeão do absoluto de 1999 (Roberto Traven) e o campeão peso e absoluto da 1º edição e vencedor da 1º super fight, José Mario Sperry, acabou não sendo correspondida. O medo de perder o prêmio de US 40 mil fez os dois se respeitarem demais. Nos 30 minutos de combate, Zé Mario buscou bem mais a luta fazendo oito tentativas de queda, todas defendidas pelo discípulo de Romero Jacaré. No final o faixa preta de Carlson ganhou o premio e mais uma adaga de ouro do seu amigo Sheik Tahnoon. Único lutador a participar das 3 primeiras edições do evento sem tomar um ponto, Sperry já saiu do ringue pensando na super luta de 2001 com o campeão absoluto, Mark Kerr. “Com o Kerr vou precisar treinar ainda mais para mudar meu jogo, pois gosto de jogar por cima. De qualquer forma acho que ele abre alguns espaços que dá pra aproveitar”.