Duelo de Titãs: Zé Mario e Crézio espantam “fantasma de Hulk”

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Depois de levar uma joelhada que calou a torcida do Jiu-Jitsu, Crézio de Souza finalizou Johil

Oito meses após o Maracanazo do Jiu-Jitsu, a derrota de Amaury Bitetti para Hulk no Maracanãzinho, o mestre de Jiu-Jitsu Orlando Barradas decidiu organizar um evento de lutas no ginásio do Canto do Rio no dia 1º de setembro de 1995. Marcado pela estréia vitoriosa de Crézio de Souza e Mario Sperry, dois dos maiores ícones do Carlson Team na época, o Duelo de Titãs teve ainda a participação de Claudionor Fontinelli além de dois desafios nas regras de Jiu-Jitsu e mais um nas regras da Luta Livre.

Ainda faixa marrom, Zé Mario fez sua estréia no MMA tratorizando TNT Tyson na luta principal da noite – Fotos: Marcelo Alonso

Crézio x Johil

A soberba do Jiu-Jitsu após a histórica vitória sobre a Luta-Livre em 1991 acabou abalada no dia 1º de janeiro de 1995, quando o capoeirista Sidney Freitas, o Mestre Hulk, nocauteou Amaury Bitetti no Maracanãzinho.

Ícone máximo do Jiu-Jitsu, após a ida de Rickson para os EUA, Bitetti era o franco favorito para vencer o torneio Desafio Intenacional de Vale-Tudo. Mas aquele nocaute inesperado soou como um alerta a todos os representantes do Jiu-Jitsu que, naquele momento, se julgavam imbatíveis. Hulk mostrou aos representantes da Arte Suave que num combate que começa em pé bastava um erro de tática ou um golpe bem encaixado para uma zebra aniquilar um favorito. E foi neste clima tenso que os expoentes da Carlson, José Mario Sperry e Crézio de Souza subiram pela primeira vez num ringue de Vale-Tudo. Zé Mario, em condição bastante semelhante à Bitetti, enfrentaria um campeão de Boxe sem nenhuma técnica de solo, já Crézio, teria pela frente a nova revelação da Luta-Livre, Johil de Oliveira, que além de treinar chão com João Ricardo (Budokan) também fazia Muay Thai com Luiz Alves.

O trauma do Maracanãzinho oito meses antes levou a equipe de Carlson Gracie a comparecer em massa ao ginásio Canto do Rio para apoiar seus lutadores. Apesar de estarem em número muito maior que a torcida da Luta-Livre, os representantes do Jiu-Jitsu desta vez silenciaram diante das provocações da torcida adversária enquanto Crézio entrava no ringue: “Recordar é viver mestre Hulk acabou com vocês”.

Mas logo que o árbitro Fulgêncio iniciou a luta, o aluno de Carlson dissipou a tensão de sua torcida derrubando Johil e passando sua guarda três vezes. Mas Johil defendia bem a montada conseguindo reverter e cair por cima, voltando a luta de pé.

Bem mais a vontade em pé, Johil aproveitou uma baiana telegrafada pelo faixa preta de Jiu-Jitsu para aplicar-lhe uma joelhada. Crézio caiu sentado com um corte abaixo do olho esquerdo, silenciando a torcida do Jiu-Jitsu.

O trauma do Maracanãzinho parecia se repetir, mas a experiência de competição de Crézio fez a diferença e o faixa preta, mesmo sentado, cinturou o oponente, derrubou, montou e após uma saraivada de socos, pegou suas costas e finalizou com um mata-leão, acabando de vez a tensão que segurava o grito de sua torcida. “Jiu-Jitsu ! Jiu-Jitsu !”. O próprio Crezinho relatou a mim o sabor desta primeira vitória nos ringues. “O clima era realmente muito tenso. Ele já tinha lutado e queria um Gracie, mas ninguem da família aceitou, ai ele topou lutar comigo. Aquela derrota do Amaury me trouxe uma responsabilidade a mais, pois esta foi a primeira luta depois daquela derrota. O pessoal da Luta-Livre já falava que o Johil iria fechar o caixão do Jiu- Jitsu. Foi uma luta muito tensa, aquela joelhada por pouco não acaba a luta, mais levei pra o chão e acabei finalizando no Mata-Leão”, lembra Crézio considerado até os dias de hoje como um dos mais técnicos alunos de Carlson Gracie.

Depois de levar uma joelhada que calou a torcida do Jiu-Jitsu, Crézio de Souza finalizou Johil

Zé Maquina  x “TNT” Tyson

Depois do susto de Crézio, foi a vez de outro representante da Carlson subir ao ringue. José Mario Sperry. Apelidado de Zé Maquina por ter feito mais de 400 lutas nas faixas roxa e marrom, sem levar um ponto sequer, Zé Mario já vinha treinando sem quimono desde o Vale-Tudo de 1991, quando ajudou a equipe formada por Wallid, Gurgel e Bustamante. “A experiência de treinar com tantos cascas-grossas naquela época, me deu bastante tranqüilidade. Na realidade entrei para fazer este meu primeiro Vale-Tudo mais tranqüilo do que quando lutava Jiu-Jitsu”, me contou Zé Mario a época.

Zé Maquina não tardou a levar o boxer para o chão onde montou e com uma avalanche de socos obrigou o opoente a desistir em menos de 3 minutos.  Após a vitória, Zé Mario desafiou qualquer representante da Luta-Livre a enfrentá-lo. Depois deste evento Sperry representou sua equipe nos Estados Unidos (Extreme Fighting e Mars) e faturou o cinturão do evento australiano Caged Combat, vencendo três oponentes numa noite. Em 1999 Zé Mario e os colegas Murilo Bustamante, Bebeo e Libório deixaram a equipe de Carlson Gracie e montaram a BTT, considerada até os dias de hoje, ao lado da Chute Boxe, a maior equipe de Vale-Tudo de todos os tempos.

Claudionor Fontinelli não conseguiu repetir a excelente atuação contra China, meses antes no Gaysey Challenge, na Ilha dos Pescadores. O Maranhense foi inteiramente dominado pelo capoeirista Junior que neutralizou seu Muay Thai derrubando e passando boa parte da luta batendo da montada. Mas no ultimo round, quando a luta parecia decidida, Fontinelli, aproveitando-se do cansaço do oponente, caiu por cima, montou e ainda pegou as costas, mas nada que mudasse a opinião dos árbitros que deram a vitória para Junior.

JOP x Eugênio: rivalidade também na Luta-Livre

E não era só entre o Jiu-Jitsu e Luta-Livre que o clima estava pesado. No confronto entre representantes da Luta – Livre, duas escolas que nunca se bicaram: JOP e Eugênio Tadeu. A equipe JOP do professor Jeferson, ao contrário de todas as outras equipes de Luta-Livre sempre teve uma excelente relação com o Jiu-Jitsu e Judô. O fato de treinar e trocar técnicas com academias de Jiu-Jitsu levou o professor Jeferson a ser uma espécie de ovelha negra da Luta-Livre. O confronto entre seu representante Ray Perez (JOP) contra Wilson Ventura (Eugênio Tadeu), representante da mais tradicional equipe de Luta-Livre da época, trouxe um clima bastante tenso para todos nós que trabalhávamos a beira do ringue. Ainda mais no final quando o juiz Franscico Aragão levantou o braço de Ray, que passou 10 minutos atacando a guarda do oponente e acabou conseguindo a passagem no final, vencendo por 2 x 0.

Rio empata com Niterói no Jiu-Jitsu

Como o público do Vale-Tudo no Rio sempre esteve diretamente ligado ao Jiu-Jitsu, Luta-Livre e Muay Thai, até alguns anos atrás, era comum que os eventos de Vale-Tudo tivessem preliminares destas modalidade. Considerado um dos grandes nomes do Vale-Tudo nos anos 50 e precursor do Jiu-Jitsu em niterói, mestre Orlando Barradas aproveitou este evento para promover dois talentos da Academia Oriente, a principal do Jiu-Jitsu em Niterói, colocando dois expoentes locais, Cleber “Tomadinha” Luciano e Alexandre Zulú  para enfrentar ícones que começavam a despontar no Rio de Janeiro. Cleber enfrentou o fenômeno da academia Alliance, Léozinho Vieira, que atacou mais durante os 10 minutos do desafio, mas no último minuto Cleber tentou uma baiana, que obrigou o aluno de Romero Jacaré a segurar nas cordas e acabou lhe garantindo a vitória. O Rio conseguiu empatar a fatura quando o representante da Barra Gracie Roberto Atalla raspou e pegou a costas do niteroiense Alexandre Zulu, que ainda conseguiu uma raspagem no final. 4 x 2. O curioso é que não havia tatame abaixo da lona, os lutadores se enfrentaram na madeira do ringue que tinha uma lona por cima. Inacreditável, mas são capítulos como este, que ajudaram de alguma maneira na transformação do Vale-Tudo, naquilo que hoje conhecemos como  MMA e o Jiu-Jitsu num dos esportes mais populares no mundo.