Idealizado para ser um desafio de três lutas entre Jiu-Jitsu e Sambo, tendo como pano de fundo um torneio de oito lutadores sem limite de peso, o MARS acabou entrando para a história como o evento em que Murilo Bustamante empatou heroicamente com o gigante americano Tom Erikson (40 kg mais pesado) na final do torneio e Renzo Gracie nocauteou Oleg Taktarov completando uma goleada histórica do Jiu-Jitsu brasileiro sobre o Sambô russo, iniciada por Carlão Barreto e Mario Sperry.
Texto e fotos Marcelo Alonso
Davi x Golias: Da Bíblia para o cage
Surgido de uma parceria entre o faixa preta brasileiro Sérgio Monteiro e o empresário americano Dr. Keating, o Martial Arts Reality Superfighting (MARS), realizado no Alabama em 22 de novembro de 1996, tinha como atração principal o duelo entre o brasileiro Renzo Gracie e o russo Oleg Taktarov. “Nossa idéia era fazer um confronto de três lutas entre Jiu-Jitsu e Sambo, onde representariam o Jiu-Jitsu Murilo Bustamante, Zé Mario e Renzo. Por ser mais pesado, o Carlão entraria no torneio representando o Jiu-Jitsu de um lado, enquanto o Tom Erikson (1,93m / 127kg) estaria do outro, mas o Murilo decidiu lutar o torneio e o Carlão passou a fazer parte do time do Jiu-Jitsu”, recorda o empresário Sérgio Monteiro.
Na época o ground and pound dos wrestlers apresentado ao mundo por Mark Coleman no UFC já começava a ameaçar a soberania do Jiu-Jitsu brasileiro. Nos bastidores fui informado que Erikson brincava com Coleman nos treinos. O jornalista americano que me contou trouxe como referência ainda o fato de Coleman nunca ter chegara nem a seleção americana, Erikson teria sido o No1 do país entre os super pesados por quase 10 anos.
E o gigante não decepcionou na estréia abrindo o evento aniquilando o campeão russo de Sambo Aleksander Kramstovskly (1.88m / 136kg) em nove minutos, após castigá-lo brutalmente com socos e cotoveladas deixando uma peça de sangue no cage. Na semifinal Tom precisou de apenas 31 segundos para vencer o holandês Willie Peeters (1,85/100kg) com uma chave cervical (neck crank) chegando sem um arranhão na final. Já Bustamante (1,85m/88kg) passou pelo australiano Chris Haseman (1,85m/103kg) em um minuto de luta, ao derrubar, montar, pegar as costas e disparar uma série de cotoveladas na nuca de seu adversário, obrigando o córner a jogar a toalha. Em outra rápida disputa, o faixa-preta de Carlson Gracie mais uma vez foi rápido e, com 1m10s, chegou às costas do americano Juan Mott (1.83m/86kg) e o obrigou a desistir com socos.
A maneira como Erikson aniquilara seus oponentes acabou levando a uma união entre representantes da Gracie Barra e Carlson Gracie, que na época eram rivais viscerais devido às competições de Jiu-Jitsu. Enquanto o americano entrava no cage empurrado pela torcida local “USA ! USA !” um coro de quase 30 brasileiros empurrava Bustamante: “Jiu-Jitsu ! Jiu-Jitsu !”.
A luta começou com Murilo tentando cinturar Erikson, que acabou entrando na guarda do brasileiro. Mesmo por baixo, Bustamante se defendia bem e contra golpeava com pedaladas e socos. O brasileiro atacou um armlock e uma chave de calcanhar, mas Erikson orientado por seu córner, Rico Chiapareli, que treinara Jiu-Jitsu com Renzo, soltou o peso e conseguiu escapar de todas as tentativas do aluno de Carlson.
Aos 15 minutos os organizadores resolveram repentinamente tirar o limite de tempo (30 minutos), mas houve reclamações, e acabou sendo acertado que a luta teria 40 minutos. No meio de toda esta loucura Murilo começava a dar sinais de cansaço. Foi quando aos 19 minutos Erikson resolveu seguir os conselhos do seu córner e tentar a sorte em pé, já que poderia usar sua melhor envergadura na trocação. Murilo, sem saber ao certo quanto tempo teria que lutar, não quis se arriscar em pé, e ficou sentado fazendo guarda.
Percebendo que o brasileiro começara a demonstrar sinais de cansaço aos 20 minutos, Erikson passou a pular dentro da guarda de Bustamante, soltando fortes socos, criando alguns cortes e hematomas no rosto de Murilo. Aos 40 minutos, a disputa foi encerrada, sendo declarado um empate. Mesmo com o rosto bastante machucado Bustamante saiu do ringue ovacionado por toda comunidade do Jiu-Jitsu presente. Todos muito emocionados comemorando a heróica atuação do Davi do Jiu-Jitsu. Dois meses mais tarde Mark Kerr e Fabio Gurgel fariam na final do WVC 3 em São Paulo. Outro histórico confronto entre Jiu-Jitsu e Wrestling marcado por uma disparidade de peso absurda. Não por acaso estas duas lutas são consideradas até hoje como um marco evolutivo do Vale-Tudo brasileiro em direção ao MMA. Afinal de contas foi a partir delas que a adoção de categorias de peso passou a ser discutida.
Renzo, Carlão e Sperry emplacam 3 x 0 do Jiu-Jitsu no Sambô
Se a disputa entre Jiu-Jitsu e Wrestling terminou empatada na final do torneio, o confronto de 3 super lutas entre Brasil e Rússia terminou em goleada.
Carlão Barreto (1.93 m – 103 Kg) abriu o placar para o Brasil atropelando o russo Alexander Rafalski (1.90 m – 97 Kg) em apenas 58s, com uma seqüência de socos da montada. Na segunda luta o Jiu-Jitsu abriria 2×0, com uma aula de Zé Mário Sperry sobre Andrey Dudko. O russo, 11 Kg mais pesado, bateria com uma Kimura aplicada pelo atleta da Carlson.
Na última e principal luta do desafio o membro da família Gracie, Renzo, enfrentaria o grande nome da modalidade Sambô, Oleg Taktarov. Treze quilos mais leve que seu oponente, Renzo teria uma tarefa difícil pela frente. Na única luta sem tempo da noite, o brasileiro teria que finalizar um lutador que nunca havia perdido desta forma e que já havia enfrentado feras no nível de Dan Severn, Shamrock, Ruas e Tank. Apesar de toda a responsabilidade, Renzo não perdia o bom humor, declarando à imprensa minutos antes da luta: “Hoje vai ter frango a Kiev!”. Aos 50s de combate, o Gracie tenta um chute, o russo segura a perna do adversário e o derruba, mas é surpreendido na seqüência com uma pedalada certeira. Ao perceber o russo caindo seminocauteado, o brasileiro se levanta e define a luta com um gancho de direita que fechou a goleada 3 x 0. Ao recobrar a consciência Taktarov queria continuar a luta. Pior que Renzo quase aceitou, mas acabou sendo demovido pelo córner. Numa coletiva após a luta, Renzo foi perguntado se teve sorte e respondeu com sua clássica: “Quanto mais eu treino, mais sortudo fico”
Ao final do evento o promotor Dr Keaton ofereceu um jantar de gala para comemorar o sucesso do show. Para variar, quem roubou a festa foi Carlson, que reuniu todos os brasileiros numa mesa e matou todos de rir com suas brincadeiras com as cartas (poder da mente, burro e dicionário etc..). Apesar das lutas históricas que marcaram esta primeira edição, o MARS acabou nunca mais sendo realizado.