Quem acompanha nosso canal no Youtube deve ter visto na semana passada o Resenha PVT com Nelson Monteiro. Na entrevista o faixa coral de Carlinhos Gracie trouxe todos os detalhes do fatídico Pentagon Combat, evento que nasceu com a proposta de ser um novo UFC patrocinado pelo Sheik Tahnoon mas acabou num lamentável quebra-quebra que acabou levando a proibição do Vale-Tudo no Rio de Janeiro em 1998. “O Pai do Tahnoon considerava o Vale-Tudo muito violento e não queria associar o nome do país a um evento deste, então eu dei a ideia ao Tahnnon de fazermos no Rio”, me contou Monteiro.
Talvez por estar morando fora do Brasil desde 1988, sem ter vivenciado in loco, o histórico Vale-Tudo do Grajaú, que acirrou ainda mais a animosidade entre as duas modalidades, Nelsinho tenha imaginado que a rivalidade entre Luta-Livre e Jiu-Jitsu fosse página virada, e decidiu acatar a ideia dos amigos da Gracie Barra de colocar Renzo Gracie enfrentando o ícone máximo da Luta-Livre, Eugênio Tadeu. Uma aposta arriscadíssima num momento onde a grande mídia associava qualquer atividade ligada ao Jiu-Jitsu com baderna de pitboys. O fato é que naquele momento ainda existia um enorme ressentimento por parte da Luta-Livre por tudo que aconteceu em 1991 e, obviamente, um confronto com um membro da família Gracie seria a enredo perfeito para a Grande vingança da Luta-Livre.
Mas tirando o equívoco no casamento do main event, há de se reconhecer que Nelsinho casou um evento a altura do que Tahnoon planejava, trazendo para o Tijuca Tenis Clube naquele dia 27 de setmbro de 1997 nomes como Oleg Taktarov, Murilo Bustamante, Jerry Bohlander, Marcelo Tigre e Ricardão.
TAKTAROV NOCAUTEIA EM 52 SEGUNDOS
Um ano depois de ser nocauteado com aquela histórica pedalada por Renzo Gracie no Alabama, Taktarov veio ao Brasil para lutar com o faixa roxa de Nelson Monteiro e queridinho do Sheik Tahnoon, Sean Alvarez que havia estreado no Japão vencendo Yoji Anjo em 96. Com 17 lutas no currículo, tendo enfrentado nomes como Marco Ruas, Dan Severn, Shamrock e o próprio Renzo, o russo sabia que o faixa roxa tentaria agarrá-lo, mas não deu nem tempo de Alvarez tentar. Na primeira entrada, Oleg soltou um cruzado certeiro que derrubou o grandalhão. Sean ainda tentou cinturar, porém o russo defendeu e definiu a luta com uma mortífera sequência de cruzados e diretos aos 52 segundos do primeiro round.
Já o parceiro de treinos de Alvarez, o gigante Ricardo Moraes (2,02m 130kg) não teve tanta dificuldade. Na realidade a dificuldade maior foi do treinador do oponente de Moraes, Sergio Muralha, que passou quase 10 minutos tentando convencer seu aluno a lutar. Após dez minutos de muita lábia Muralha decidiu entrar no cage, mas assim que a luta começou passou a correr. Pelo menos até Ricardão alcançá-lo com um cruzado. Sergio já caiu com as duas mãos protegendo a cabeça, claramente pedindo que o arbitro interrompesse o massacre aos 17 segundos. A atitude do lutador mereceu uma vaia ensurdecedora do público.
Mas o papelão foi compensado por uma guerra que colocou frente a frente os maiores rivais do Vale-Tudo no Nordeste, Marcelo Tigre e Jalmir “Buda” Ferreira. O ódio mútuo ficou claro na luta mais sangrenta da noite. Buda começou melhor, botando Tigre para baixo e iniciando um pesado ground n pound. De guarda fechada Tigre já sangrava bastante quando surpreendeu o rival com um armlock. Buda conseguiu sair, passou a guarda e continuou punindo Marcelo. A luta parecia definida, quando Tigre, mais uma vez surpreendeu raspando, montando, pegando as costas e finalizando Buda com um mata-leão em seis minutos de luta. Na sequência foi a vez do faixa marrom da Gracie Barra, Roni Rustico, estrear bem no Vale-Tudo derrotando o boxer José Henrique Hakhfal com socos da montada.
BUSTAMANTE E A HISTÓRICA PEDALADA
A polêmica vitória do wrestler Jerry Bohlander sobre Fábio Gurgel no UFC 11, fez a luta entre ele e Murilo Bustamante ser a mais aguardada da noite. Como esperado o combate foi muito técnico com ambos tentando derrubar, até que na troca de esgrima Murilo conseguiu chegar as costas de Bohlander, derrubando o americano na sequência. Mas o lutador da Lion´s Den voltou de pé. Foi quando Murilo resolveu chamá-lo para sua guarda aberta dominando seus dois punhos e o surpreendendo com uma pedalada, semelhante a que Renzo havia feito com Taktarov no ano anterior. Nocaute incontestável aos 5:38 e festa da galera da Carlson Gracie. “Murilo me ensinou muito hoje. Acho que o UFC deveria haver um torneio até 90kg para decidir quem é o melhor do mundo. Eu, Jackson , Murilo e Fabio”, me disse Bohlander após a luta
A VINGANÇA DA LUTA-LIVRE
“Quem bate esquece quem apanha, não”. O ditado popular se enquadra perfeitamente no barril de pólvora que foi este Pentagon Combat. Por tudo que passaram dentro e fora do ringue naquela consagradora noite do Jiu-Jitsu no Grajau em 1991, era óbvio ululante que a Luta-Livre não perderia esta chance de vingança no Tijuca Tênis Clube, seis anos depois. Colocar um membro da família Gracie Gracie para enfrentar o maior líder da Luta-Livre (o homem que estava em quase todas as lutas entre os dois estilos) sem um absurdo aparato de segurança, era uma tragédia anunciada. “Foi a nossa revanche do Grajaú. No dia anterior ainda tentei pegar uns convites com o Robson mas ele só me deu três, aí eu me revoltei. Organizei um exército de 200 psicopatas e Invadimos o Tijuca, mostramos para eles como é difícil lutar sobre pressão”, me contou Hugo Duarte no dia seguinte ao evento, explicando a invasão da torcida de Eugenio Tadeu 2 horas antes dos portões do Tijuca serem abertos para Pentagon Combat.
Considerado favorito, depois de derrotar oponentes muito mais pesados como Oleg Taktarov e Maurice Smith, Renzo Gracie, que tinha 6kg de vantagem sobre Eugênio, começou a luta dando um sufoco no faixa preta de Brunocilla. Passou sua guarda por diversas vezes, montou duas vezes e chegou perto de finalizá-lo com um mata-leão, mas o coração gigante de Tadeu o fez defender cada tentativa e Renzo começou a ficar cansado e Eugenio cresceu. Depois de derrubar Renzo com um chute nas pernas Eugênio começou a chutar as suas pernas no chão, enquanto Renzo apenas tentava se recuperar sentando no chão. Renzo tentou se levantar novamente, mas Eugenio o colocou pra baixo novamente com um chute nas pernas. Naquela altura, a torcida da Luta-Livre estava louca, sentindo o bom momento, onde dominava completamente a área em volta do ringue. Mas a situação começou a ficar fora de controle quando um representante da Luta-Livre chutou a cabeça de Renzo pela grade e a luta foi interrompida, quando faltava apenas um minuto para o final do round de 10 minutos.
Renzo, muito cansado, se levantou e começou a andar pelo ringue quando outro representante da Luta-Livre o agrediu com um soco (por cima do cage) e a luz do ginásio foi apagada. Naquele momento um quebra-quebra generalizado começou entre membros da Luta-Livre e do Jiu-Jitsu. “Eu nunca tinha visto nada como aquilo na minha vida. Parecia uma guerra real”, declarou um perturbado Oleg Taktarov (que minutos antes havia nocauteado Sean Alvarez).
A polícia estava completamente perdida no meio da batalha na escuridão. Fotógrafos e jornalistas se escondiam embaixo do cage. Para piorar um policial despreparado achou que disparando um tiro na escuridão acabaria com a confusão, o efeito foi oposto. “O cara que atacou o Renzo foi um imbecil. Eu estava tão perto de nocautear Renzo e a Luta-Livre iria finalmente conseguir sua revanche”, reclamou depois um revoltado Eugênio Tadeu. Hugo acreditava que Robson Gracie era o responsável pelo apagão: “Por que as luzes não foram apagadas no começo? Só foram apagadas quando o Eugênio estava ganhando?” argumentou Hugo. Renzo respondeu: “Meu pai estava dentro do ringue comigo quando as cadeiras começaram a ser jogadas dentro do ringue. Como ele poderia ter desligado a luz?”. Eterno rival de Renzo, Wallid aproveitou a bola levantada para alfinetar o Gracie sugerindo uma revanche com Eugênio: “O Renzo não disse que eu era limitado tecnicamente, o que aconteceu com ele, estava entrando na porrada. Estou chocado. O Eugenio está até merecendo uma revanche daquela nossa luta no Grajau”, disse o aluno de Carlson ao final do quebra-quebra.
No dia seguinte todos os jornais noticiaram a confusão criada pela guerra entre duas artes marciais rivais. Até mesmo a CNN noticiou. A conseqüência não poderia ter sido pior: o governador proibiu eventos de Vale-Tudo no Rio de Janeiro.
FRACASSO DO PENTAGON LEVOU A CRIAÇÃO DO ADCC
Mas como diz o ditado, tem males que vem para o bem, a frustração pelo insucesso do Pentagon fez o Sheik Tahnoon criar o ADCC, realizando sua primeira edição no ano subsequente em seu país. O sucesso da primeira edição motivou Tahnoon a transformar o ADCC num evento anual. Hoje, passados 24 anos da primeira edição, as olimpíadas da luta agarrada estão indo para sua 13º edição numa super edição histórica em Las Vegas com a presença de todos os grandes campeões que receberão uma homenagem especial e indução ao Hall da Fama.
Carlson sela PAZ no Pride 4
Além ter impacto direto na criação das olimpíadas do Grappling, o Pentagon Combat também serviu como uma espécie de divã para o mundo da luta que, a partir dele, chegou ao fundo do poço no Rio de Janeiro. Algo que pareceu despertar nas duas modalidades um sentimento que era hora de virar a página. E a primeira atitude prática deste armistício partiu de Carlson Gracie nos bastidores do Pride 4, em agosto de 1998, 11 meses após o Pentagon. Na oportunidade Hugo Duarte enfrentaria Mark Kerr, que naquele momento era o lutador mais temido do mundo, e Carlson Gracie decidiu ficar em seu córner. “Hugo veio ao Japão enfrentar um dos maiores lutadores no mundo. Ele tinha seus treinadores pessoais mas eu decide ajudá-lo”, disse Carlson Gracie que foi ao evento para ficar no corner de seus alunos Allan Goes (que empatou com Sakuraba) e Wallid (que perdeu para Akira Shoji). Hugo perdeu a luta, mas nunca esqueceu a atitude de Carlson: “Carlson me ajudou muito e nunca vou esquecer esta atitude dele. Foi ela que melhorou a rivalidade entre o Jiu-Jitsu e a Luta-Livre”.
Na realidade, depois de 1998 o clima entre Luta-Livre e o Jiu-Jitsu começou a melhorar, mas a guerra apenas terminou quando a nova geração da Luta-Livre começou a surgir e os eventos de Vale-Tudo foram se profissionalizando “Os tempos de Guerra terminaram. Na verdade nós não vivemos este tempo de guerra entre o Jiu-Jitsu e a Luta-Livre como nossos mestres. Então nós não temos porque odiar o Jiu-Jitsu como eles”, me disse o campeão do Shooto Alexandre Franca Nogueira em 2000, ao viajar junto com diversos representantes do Jiu-Jitsu para defender o Brasil em Abu Dhabi no ADCC 2000.
Com a profissionalização do esporte passou a ser natural, não só lutadores de modalidades diferentes treinando juntos, como também lutadores de nações diferente representando um mesmo time, muitas vezes apoiando parceiro de treino contra compatriotas, algo inimaginável há alguns anos. Sinal dos tempos. De qualquer maneira a história existe pra ser lembrada. nunca podemos esquecer os caminhos que o nosso esporte precisou passar e os protagonistas que nos permitiram chegar até aqui.