Se houvesse uma eleição para escolher o melhor evento de MMA de todos os tempos, certamente a final do Pride GP dos médios, realizada há 16 anos em Tokyo (28- 8-2005), estaria entre os mais votados.
Além de assistir ao tão aguardado confronto entre Wanderlei e Arona na semifinal, os fãs japoneses puderam ver o nascimento de Maurício Shogun, que nocauteou na mesma noite Alistair Overeem, na semifinal, e Arona na final, vingando o parceiro de treinos e se transformando no novo No1 dos médios do maior evento do mundo. Para completar Fedor Emelianenko e Mirko Cro Cop fizeram um lutaço valendo o cinturão dos pesados e Fabrício Werdum conseguiu sua segunda finalização no evento.
Quem acompanhou a era Pride sabe bem o que representava a rivalidade entre BTT e Chute Boxe. Iniciada num desentendimento entre Ricardo Arona (BTT) e Wanderlei Silva (Chute Boxe) nos bastidores de um café da manhã no Pride 16, a animosidade entre as duas equipes transformou seus encontros nos ringues do Pride numa espécie de Barcelona vs. Real Madrid do MMA. Foram dezenas de clássicos cercados de muitas histórias de bastidores, mas nada atraia mais a curiosidade dos fãs do que a possibilidade de ver o confronto que deu “origem a série”: Arona x Wanderlei.
Uma possibilidade que passou a ser real quando foram anunciados os 16 lutadores selecionador para o Pride GP (até 93kg) de 2005: Vitor Belfort, Dan Henderson, Rogério Minotouro, Kazushi Sakuraba, Yuki Kondo, Kevin Randleman, Igor Vovchanchyn, Dean Lister, Hidehiko Yoshida, Maurício Shogun, Quinton Rampage, Ricardo Arona, Wanderlei Silva, Maurício Shogun e Alistair Overeem. O melhor torneio de MMA já realizado na história do esporte seria dividido em três etapas: Abril (oitavas de final), Junho (quartas de final) e Agosto (semifinal e final na mesma noite).
Sabendo da importância das boas narrativas para atrair o púbico os promotores japoneses organizarem as chaves de maneira a deixar os grandes clássicos entre BTT e Chute Boxe para alavancar as etapas finais.
Na primeira etapa (23 de abril), Rogerio Minotouro finalizou Dan Henderson; Wanderlei Silva eliminou Yoshida (decisão); Overeem finalizou Belfort; Shogun nocauteou Rampage; Sakuraba nocauteou o coreano Dong Sik Yon; Nakamura eliminou Randleman (decisão); Ricardo Arona venceu Dean Lister (decisão) e Igor Vochanchyn venceu Yuki Kondo (decisão).
Dois meses depois, nas oitavas de final, os japoneses puderam assistir ao primeiro clássico entre as duas rivais, quando Mauricio Shogun eliminou Minotouro na decisão, nesta que foi considerada a melhor luta do torneio e uma das melhores da história do esporte. Enquanto isso Ricardo Arona atropelava Sakuraba; Wanderlei nocauteava Nakamura e Overeem finalizava Vovchanchyn.
Sobraram finalmente quatro lutadores, três brasileiros e um holandês, para as semifinais e finais (realizadas na mesma noite neste Pride Final Conflict): Arona, Overeem e os representantes da Chute Boxe, Wanderlei e Shogun. Obviamente os japoneses, não perderiam a chance de ver dois clássicos na mesma noite. Então casaram Wanderlei x Arona e Shogun x Overeem.
Para completar este evento histórico, entre as semifinais e a grande final, Fedor Emelianenko enfrentaria a maior ameaça a seu reinado nos pesos pesados: Mirko Cro Cop, que acabara de atropelar no 1º round seu irmão Aleksander Emelianenko, Mark Coleman, Josh Barnett, Kevin Randleman e Ibragim Magomedov.
A FÚRIA DO GUERREIRO
Uma reportagem de 10 páginas publicada pela maior revista especializada do Japão, a Kakutougi Tsushin, explicando todos os capítulos da rivalidade entre BTT e Chute Boxe e relembrando os confrontos que davam uma vantagem de 6 x 4 para a equipe curitibana aumentou ainda mais a expectativa em torno do mais pessoal confronto do Vale-Tudo mundial.
Anos depois daquele desentendimento no café da manhã do hotel finalmente Wanderlei e Arona voltaram a se encontrar olho no olho. “Vou te arrebentar”, prometeu Wanderlei. “Vamos ver amanhã no ringue”, respondeu Arona. Como eu era o único jornalista brasileiro na pesagem fui praticamente juntado pelos colegas japoneses ansisosos em entender o significado daquela troca de gentilezas diante da gritaria das duas equipe. “Vamos Arona !!!!” , “Heeeeeyyy Wandeco !!!”
No dia seguinte no ringue, porém, a animosidade da pesagem deu lugar a um enorme respeito mútuo. Ao contrário das lutas anteriores Wanderlei não partiu para cima de Arona, se limitando a acertar chutes na parte interna da coxa. Do outro lado o atleta da BTT respondia na mesma moeda, esperando a hora certa para dar o bote e levar o curitibano para o chão.
E a oportunidade ocorreria de maneira surpreendente, com Arona desequilibrando Wanderlei após um low kick na perna de apoio do oponente. Quando Wanderlei caiu, Arona partiu para o pisão, entrando na guarda de Wanderlei de onde passou a aplicar seu ground´npound que definiria o primeiro round em favor do carioca. No final do round o juiz voltou a luta em pé e deu um cartão para Wanderlei.
Ciente da vantagem de Arona no 1º round, Wanderlei voltaria mais agressivo no 2º , mas Arona continuaria surpreendendo ao aceitar a trocação. No fim do round Arona voltaria a derrubar Wandelei. Para deixar clara a sua superioridade, o atleta da BTT chegou a socar o rival com as duas mãos. E quando o juiz decretou o fim da luta Arona extravasou dando um grito estridente no rosto do oponente enquanto Paulão, no córner alfinetava os rivais fazendo sinal de 1 x 0 com as duas mãos.
Ao final os dois se abraçaram. “Valeu campeão você foi guerreiro”, disse Arona a Wanderlei, me revelando na sequência que não tinha a intenção de desrespeitar o oponente na hora do polêmico grito; “Ele dizia que eu tinha um Muaythaizinho, venci ele em pé e no chão… Mas não quis desrespeitá-lo com aquele grito , aquilo foi coisa de fúria de guerreiro”. Com a derrota de seu principal símbolo, a Chute Boxe voltava ao vestiário em clima de funeral. A brincadeira de Paulão Filho acabou acirrando ainda mais os ânimos. “Para nós este Paulão é Paulinho. Ele não tem consistências, é reserva do GP e não tem peito de encarar o Ninja”, me declarou o mestre Rudimar revoltado no caminho de volta para o vestiário
Depois de assistir seu ídolo perder para o maior rival, Shogun teria que subir ao ringue para enfrentar Overeem já pensando numa final com Arona. Percebendo o abatimento do parceiro ao chegar ao vestiário, Wanderlei sabia da importância de seu empurrão. “Piá, vai com tudo que este título é seu”.
SHOGUN TRATORIZA OVEREEM E ARONA
A força do ídolo fez a diferença. Depois de nocautear na primeira fase o finalista de 2003, Quinton Jackson, e vencer Rogério Minotouro numa histórica batalha nas quartas, Shogun entrou seguro na semifinal com o Overeem, o único não brasileiro dos 4 semifinalistas.
O holandês, que havia dito a imprensa que mostraria a Chute Boxe o verdadeiro Muay Thai na semana da luta, até começou bem. Com quatorze centímetros de vantagem, o homem que eliminara Vovchanchyn e Belfort chegou a levar o brasileiro para o chão em duas oportunidades, em uma delas tentando encaixar sua temida guilhotina. Shogun aproveitou a tentativa para cair por cima e iniciar a virada. Depois de passar a guarda e castigar o holandês com joelhadas, o atleta da Chute Boxe levantou soltando seu temido tiros de meta. Na sequência permitiu que o holandês levantasse para lhe derrubar de novo, passar a guarda, montar e bater a até o juiz interromper. Estava definida a tão sonhada final entre Chute Boxe e BTT.
Se Wanderlei respeitou muito Arona, o mesmo não se pode dizer de Maurício Shogun. Além do cinturão o garoto tinha três motivações extras: 1) se vencesse vingaria Wanderlei e o irmão Ninja, que perdera para Arona no Pride 21; 2) garantiria a dianteira da Chute Boxe no confronto direto com a BTT no Pride (4×2). Em caso de derrota confirmaria Arona como terror da Chute Boxe (seria o 3º vencido pelo carioca) e selaria o empate com a equipe rival (3 vitórias para cada). “A derrota do Wandeco me motivou muito entrei para nocautear”, me contaria alguns minutos depois o novo campeão do GP.
Quando a luta começou Shogun já partiu para cima tentando um chute rodado, Arona contra atacou cinturando Shogun e botando-o para baixo, mas o curitibano surpreendeu e atacou uma omoplata, que deixou o carioca em posição difícil por quase dois minutos. Arona escapou e a luta voltou em pé com shogun acertando um cruzado de direita, seguido de três joelhadas. Arona tonteou, mas conseguiu derrubar o oponente, que logo levantou. Após rápida troca de golpes foi Shogun que derrubou um já esgotado Arona, passando rapidamente sua guarda e chegando ao cem quilos, de onde acertou cotoveladas na costela e uma joelhada na cabeça. Na sequencia Shogun levantou e tentou um pisão, que passou de raspão, seguido por quatro socos que apagaram o atleta da BTT obrigando o juiz a interromper enquanto a equipe Chute Boxe invadia o ringue para celebrar a histórica conquista. “Minha maior infelicidade foi que logo no primeiro minuto de luta, quando clinchei para dar uma queda no Shogun, cai de cabeça com ele por cima, a partir dali já estava seminocauteado e não via mais nada… em condições normais acho que posso vencê-lo, mas isso é uma coisa mais pessoal, antes quero disputar o cinturão com o Wanderlei”
CINTURÃO E FAIXA PRETA DO MESTRE NINO
Depois de receber o cinturão das mãos do presidente Nobuyuki Sakakibara, Shogun recebeu, outra surpresa no vestiário, a faixa preta entregue pelos professores da equipe Nino Schiembri e Cristiano Marcelo. “Eu treino todo dia com ele, dou aula pra ele e já sabia que ele podia até finalizar o Arona, com todo respeito ao Arona e a Top Team. O pessoal do Jiu-Jitsu me conhece, o cara é faixa preta mesmo e merece muito e vai conseguir muito mais”, garantiu o gênio do Jiu-Jitsu Nino Schiembri, sendo prontamente apoiado pelo professor da equipe Cristiano Marcelo. “Depois de dar omoplata e passar a guarda do tetracampeão de Abu Dhabi, acho que não há mais dúvidas que a Chute Boxe tem o maior chão de Vale-Tudo do mundo”.
Humilde como sempre Shogun agradeceu a faixa preta e nos revelou: “Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Vinguei meu irmão, o Wandeco, ganhei o cinturão e ainda garanti o 4×2 da minha equipe em cima do BTT”, disse Shogun.
FEDOR IMABTÍVEL ENTRE OS PESADOS
Se entre os pesos médios o evento serviu pra lançar um novo campeão, no peso-pesado Fedor Emelianenko provou mais uma vez que está um degrau acima de todos os seus oponentes. Um leigo que visse o roliço Fedor Emelianenko subir no ringue para colocar seu cinturão em jogo contra o temido striker croata Mirko Cro Cop não teria dúvidas em apostar em Mirko. Depois de se negar a enfrentar o ex-policial croata duas vezes, alegando ter contundido a mão, Fedor deixou muita gente pensando que ele estava temeroso da famosa patada de Mirko, que já nocauteara nomes como Igor Vovchanchyn e o próprio irmão de Fedor. Só esqueceram que o russo é o único pesado invicto do evento e o único que venceu Rodrigo Minotauro (duas vezes), que aliás já finalizou Cro Cop.
No ringue, o gorducho Fedor mais uma vez impressionou a todos. Ao invés de buscar o jogo de chão, como todos esperavam, Fedor partiu pra cima do striker e venceu no campo dele. No início, o russo chegou a dobrar o joelho, ao sentir um golpe de Mirko, que partiu para cima e acabou sendo levado para o chão por Fedor. O soco parece ter quebrado o nariz de Fedor, que sangrou bastante durante o round. De dentro da guarda, o campeão Heavyweight passou o restante do primeiro round atacando com socos, enquanto Mirko se defendia trabalhando bem com as pedaladas e mostrando que os treinos com Fabrício Werdum vêm surtindo efeito.
Fedor, porém, voltou ainda mais agressivo no segundo round, acertando boas seqüências de socos em Mirko e minando o gás do croata. Com um ouchi-gari, Fedor levou Mirko para baixo e voltou a castigar o adversário com socos de dentro da guarda. O round final veio com o russo soltando um bom direto, seguido por um chute na costela de Mirko, que tentou levar Fedor para o chão e acabou ficando por baixo. De dentro da guarda, Fedor voltou a fazer o jogo de ground’n pound, castigando Mirko.
A luta ainda voltaria em pé, mas por pouco tempo, com o russo mais uma vez derrubando Mirko e ficando na guarda. Visivelmente cansados, os dois atletas passaram a fazer uma disputa travada, obrigando o juiz a chamar a luta em pé novamente. Mirko ainda tentou dois chutes altos, mas o golpe saiu sem potência e Fedor o derrubou, trabalhando da guarda até a luta terminar e os juizes darem a vitória ao russo por decisão unânime.
“Mostrei nesta luta que melhorei muito, mas o Fedor venceu claramente. Vou treinar forte pra vencê-lo numa revanche”, declarou um abalado Mirko Cro Cop que levou para o Japão uma torcida de 50 amigos da Croácia.
Depois da luta, com a cara bastante machucada, Fedor revelou que quebrara a mão no primeiro round e, mesmo assim, continuara partindo pra dentro até o final. “Os médicos disseram que vou precisar de, pelo menos, três meses pra me recuperar depois da cirurgia”. Tempo suficiente para se recuperar e ainda chegar como franco favorito no GP dos pesados no ano que vem.
WERDUM FINALIZA ALUNO DE FEDOR
Após passar por Tom Erickson numa impressionante estreia no Pride, Fabrício Werdum voltou a finalizar no ringue japonês. A vítima foi o russo Roman Zentsov, da equipe de Fedor Emelianenko. A luta serviu para apimentar o confronto dos mestres Fedor e Mirko.
Desde o início da disputa, Werdum mostrou que a vitória era questão de tempo. O brasileiro naturalizado espanhol começou botando Zentsov para baixo e já caindo na montada, de onde passou a castigar com socos. O russo, porém, conseguiu se defender bem no início, invertendo a posição e atacando com socos.
Werdum acabou levando Zentsov para baixo logo em seguida, passando a guarda e montando e tentando um triangulo. Fabricio conseguiu definir a luta com um arm-lock ainda no primeiro round, quando o russo saia do triângulo. Curiosamente o mesmo golpe com que, dali a 5 anos, Werdum destronaria seu mestre na luta mais importante de sua carreira.
Frases que marcaram a final do maior GP de todos os tempos
Cristiano Marcelo: “O Shogun deu omoplata e passou a guarda do tetra campeão do ADCC. A Chute Boxe provou hoje que tem o melhor chão para o Vale-Tudo”
Shogun: “Vinguei o Wandeco, nocauteei o Arona e ainda garanti o 4×2 em cima da BTT. Hoje é o dia mais feliz da minha vida”
Ricardo Arona: “Ele dizia que eu tinha um Muaythaizinho, venci ele em pé e no chão… Mas não quis desrespeitá-lo com aquele grito , aquilo foi coisa de fúria de guerreiro””
Paulão: “O Arona não deveria ter voltado. Se quebrou todo em 15 minutos com o Wanderlei, enquanto o Shogun veio inteirinho de quatro minutos com um frango dágua”
Ricardo Arona: “Estava mais desgastado que o Shogun. Na luta com o Wanderlei machuquei o ligamento do joelho, o pé, afundei a canela mas tomei uma infiltração e voltei pra lutar, coisa de guerreiro”
Rudirmar Fedrigo: “Para nós este Paulão é Paulinho. Ele não tem consistências, é reserva do GP e não tem peito de encarar o Ninja”.
Wanderlei: “Agora que o evento acabou eu posso falar. Se nós dois fôssemos para a final o Shogun ia entregar o título para mim, mas eu queria dar pra ele, se for analisar os lutadores que pegamos ele merecia mais”
Bebeo Duarte: “O cara agora é o Arona, batemos o Wanderlei”