No baú desta edição relembro a experiência de cobrir a 12º edição do Vale-Tudo Rio Heroes. Organizado pelo faixa preta de Rickson Gracie, Jorge Pereira entre 2007 e 2009 num estúdio em Osasco, este polêmico torneio sem regras, sem tempo e sem luvas era transmitido ao vivo pela internet para todo o mundo.
Para vencer o lutador tinha que derrotar três oponentes na mesma noite. Como os campeões ganhavam salários mensais de até RS 8mil e o valor médio das bolsas estava bem acima da média nacional, o torneio, apesar de toda a resistência da mídia especializada, conseguiu existir por quase três anos.
Texto e fotos por Marcelo Alonso
Quem nunca viu o filme Clube da Luta protagonizado por Brad Pitt ? o filme mostrava um clube onde qualquer um poderia entrar e lutar por dinheiro, como em rinhas de galo.
A idéia do filme e um vídeo do youtube acabaram inspirando o faixa preta de Jiu-Jitsu brasileiro Jorge Pereira, que mora em Miami há 26 anos, a se associar a um empresário local e criar em 2007 o Rio Heroes. “Tudo começou quando vimos alguns vídeos produzidos por três garotos que pagavam duzentos dólares pra rapazes brigarem na rua. Eles botaram o video no youtube e conseguiram ganhar um milhão com isso, infelizmente acabaram presos”, contava Pereira afirmando, no entanto, que sua maior fonte de inspiração eram mesmo os mestres Carlson e Hélio Gracie. “Eles lutaram muitas vezes no chão de quadras de futebol, isso é o verdadeiro “Vale-Tudo. O excesso de regras transformou o Vale-Tudo em algo irreal, um show de Hollywood. O Rio Heroes está resgatando as origens do verdadeiro Vale-Tudo”, costumava contar o faixa preta de Rickson Gracie, que em suas 11 lutas de Vale-Tudo enfrentou nomes como Ebenezer Fontes Braga, Pelé Landi e Matt Hughes.
Para justificar a não utilização de luvas no evento Jorge costumava relembrar de sua derrota para Matt Hughes. “Já foi provado cientificamente que lutas sem luva são menos prejudiciais ao atleta. Simplesmente porque a principal função da luva é proteger a mão do lutador. Entretanto, oferece muito mais dano ao cérebro e rosto. Eu tenho mais de 100 lutas de rua na minha carreira e nunca me senti como me senti após a luta com Hughes. Eu me lembro que desmaiei três vezes na semana seguinte. Sem dúvida a luta sem luvas é mais segura para os atletas”.
Jorge também acreditava que sem rounds as lutas do Rio Heroes acabariam sendo menos violentas que as de MMA. “Nossas lutas não têm limite de tempo, porque por outro lado o atleta volta novo para o segundo round. Aqui não, o cara não quer quebrar a mão, o máximo que a luta durou nas últimas 12 edições foi 39 minutos”, esclarecia Pereira, que no entanto, fez questão de dividir seu torneio em quatro categorias de peso: até 68kg, até 77kg, até 87kg e acima de 87kg.
Regras de honra
No Rio Heroes, além de promotor do evento, Jorge Pereira fazia também a função de juiz. “A única regra que seguimos aqui são as “regras de honra”: “Eles não podem atacar os olhos, genitálias e nem morder”.
Uma outra função curiosa do juiz-promotor era incentivar os combatentes durante a luta gritando, por exemplo, que o atleta que estivesse por cima acertasse cabeçadas e cotoveladas no que estava em baixo e comemorando a vitória de cada vencedor como se fosse um parceiro de equipe”.
Num momento em que o MMA começava a ser aceito pela grande mídia, obviamente o Rio Heroes sofreu enorme resistência de Federações de MMA, da mídia especializada, que não noticiava o evento e também da grande maioria dos lutadores profissionais de MMA, como Vítor Belfort, que chegou a fazer uma campanha contra o evento de Jorge Pereira. “Agora que o MMA no Brasil está começando a ser reconhecido pela mídia como um esporte este cara frustrado vem e faz esta merda. Eu acho que isso é caso para a polícia brasileira, este tipo de evento não pode ser permitido”, disse Belfort num programa de TV em 2007. Mais tarde, Jorge respondeu na Internet. “Eu não sou um lutador frustrado e a maior prova disso é que eu sempre defendi o nome do meu mestre Rickson em muitas competições de Jiu-Jitsu e MMA e nunca envergonhei ele como Vitor envergonhou o mestre Carlson”.
Os Reis do Rio Heroes
Pagando muito mais aos atletas que muitos outros eventos de MMA nacionais, o Rio Heroes acabou atraindo lutadores de bom nível como Pedro “Mano de Pedra” Manuel (aluno de Alexandre Pequeno) e Flávio Álvaro (aluno de Jorge Macaco), que ganharam diversas edições e passaram a ser considerados os reis do evento.
Jorge Pereira conta orgulhoso que o confronto dos dois ícones do evento na 8º edição do evento chegou a ser assistida por 324 mil pessoas em quatro dias.
Por conta da veiculação de suas imagens ao evento, Pedro e Flávio passaram a sofrer boicote. “Promotores de outros de eventos não estão mais me aceitando, os caras precisam entender que eu vivo numa favela e tenho que ajudar toda a minha família. O Rio Heroes é uma grande oportunidade para ganhar dinheiro e Eu não posso dizer não”, explicou Álvaro, apoiado por seu mestre Jorge Patino Macaco. “Nós temos muitos lutadores no Brasil e poucos eventos para eles trabalharem. Como posso impedir que um cara como Flavio Alvaro de disputar um prêmio de US 3800 onde ele é franco favorito”, perguntava Macaco.
Dividindo sua rotina entre os treinos de Luta-Livre na academia de Alexandre Pequeno e o trabalho de garçom, Pedro Manuel dos Santos, estava passando pela mesma situação. Com 24 lutas de MMA na carreira, sendo 20 vitórias, Manuel ganhou mais de US 11 mil nas três edições do Rio Heroes que participou. “O Rio Heroes mudou completamente a minha vida. Com este salário do Rio Heroes, eu vou poder realizar meu grande sonho de parar de trabalhar como o garçom e me dedicar 100% para os treinos”, disse Manuel.
RINHAS DE GALO E TOURADAS NO CARDÁPIO
O Rio Heroes foi produzido quinzenalmente entre março de 2007 e Janeiro de 2008 e transmitido pela Internet pela companhia americana Tough Sports Live (toughsportslive.com). Além das lutas de Vale-Tudo, o canal também oferecia em seus pacotes brigas-de-galo e touradas.
Em 2009 a polícia brasileira fechou o estúdio onde o Rio Heroes era produzido em Osasco. Desde então não se tem notícia de eventos oficiais desta natureza. Mas de acordo com informações de bastidores Clubes da Luta continuam a existir em cidades do interior tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos.