Treinador relembra conquista do primeiro cinturão do UFC por um brasileiro e analisa evolução da preparação física no MMA

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Pimentel teve papel importante na preparação de Bustamante na conquista do cinturão do UFC - Foto: Marcelo Alonso
Pimentel teve papel importante na preparação de Bustamante na conquista do cinturão do UFC – Foto: Marcelo Alonso

Mestre de Jiu-Jitsu e Judô e membro da academia de treinadores do Comitê Olímpico Brasileiro, Márcio Pimentel foi peça fundamental no primeiro cinturão conquistado por um brasileiro após as divisões de peso no UFC. Formado em Educação Física e pós-graduado em Treinamento Desportivo, o treinador, que hoje mora nos EUA, bateu um papo com o PVT, falou sobre os bastidores da conquista de Murilo Bustamante e comparou a diferença da preparação daquela época para os dias atuais.

PVT: Qual sua formação e quando começou a trabalhar com Jiu-Jitsu e MMA?

Márcio Pimentel: Dei inicio ao trabalho em preparação física em 1998, junto com o professor de Jiu-Jitsu Paulo Caruso. Eu estava fazendo minha transição de atleta para técnico, quando passei a atuar como técnico de Judô da Universidade Gama Filho e como também havia treinado jiu-jitsu no Carlson Gracie e com o professor Júlio na UGF, começamos um trabalho primeiro com os atletas de judô, na época Flavio Canto, Leo Leite, Ângelo Paiva, Frederico Flexa, entre outro e atletas de Jiu-Jitsu, como Vitor Shaolin, Leo Santos, e alguns alunos do Paulo. Pouco tempo depois passamos a ter uma procura do pessoal do MMA.

PVT: Como foram os bastidores da conquista do cinturão de Murilo Bustamante no UFC?

MP: Na verdade comecei o trabalho com o Murilo pouco antes da disputa do cinturão. Primeiro ele me procurou para o treinamento para a luta contra o Chuck Liddell no final de setembro de 2001, quando tivemos aproximadamente 3 meses para trabalhar.

Quando esta luta contra o Liddel acabou eu lembro do Dana White entrar no vestiário e elogiar a performance do Murilo, e em certo momento da conversa o Teteo me perguntou se o Murilo conseguiria descer para a categoria 84kg. Como eu acompanhei todo o treinamento de perto e vi que o Murilo não perdeu peso, inclusive pesou menos de 93kg, eu falei que acreditava que não seria problema pesar 84kg.

Voltamos para o Brasil com a luta contra o Dave Menne já acertada para janeiro de 2002, fizemos uma recuperação e voltamos aos treinos pois tínhamos mais 3 meses para disputar o cinturão e tivemos de fazer alguns ajustes nos treinos em função da perda de peso.

A conquista do cinturão foi bem marcante por ser o primeiro brasileiro campeão no UFC após a divisão em categorias, tudo isso em cerca de 6 meses. Hoje vejo a grandeza do UFC e saber que fiz parte do inicio, da primeira conquista, é gratificante como treinador.

Acredito também que foi o momento da virada de página por conta do resultado ter me dado uma visibilidade pelo treinamento planejado e dividido com a equipe, pois de uma forma geral o treinamento era muito empírico e conseguimos colocar ciência no esporte, através de planejamento, controlando os sistemas energéticos e musculares, conseguindo trabalhar com a equipe multidisciplinar, onde mantínhamos conversas constantes para poder tirar o melhor do Murilo para que ele chegasse na sua melhor forma física e técnica no dia da luta.

Após a conquista do Murilo comecei a ter uma maior procura de atletas querendo saber como funcionava o trabalho e no ano seguinte treinei o Saulo Ribeiro para o ADCC em São Paulo. Já treinava o Leo Leite e o Flavio Canto, ambos na seleção brasileira de judô, depois veio a medalha olímpica do Flávio, os títulos mundiais do Leo Leite, o Vitor Shaolin no jiu-jitsu e depois no MMA, o Pedro Rizzo também no UFC, a Kyra Gracie, Márcio Pé de Pano no UFC e muitos outros atletas que acreditaram que não era só o trabalho de treinador e sim como planejar todo seu treinamento.

PVT: Como você vê a evolução da preparação física do tempo do Murilo para os dias de hoje?

MP: Acredito estar entre os primeiros treinadores a colocar o planejamento dentro do treinamento de MMA. Quando falo planejamento digo todo contexto do treinamento, uma vez que antigamente os atletas de uma forma geral treinavam por conta própria, faziam seus treinamentos com a experiência adquirida com seus treinadores e etc.

Um atleta do MMA treina boxe ou muay thai, jiu-jitsu ou luta livre, wrestling ou judô e a preparação física, sendo que cada um destes treinamentos feitos por um treinador diferente. É nessa hora que entra a importância do planejamento e acompanhamento do mesmo, pois antigamente cada etapa de preparação não era respeitada, não havia controle das cargas de treinamento para que o atleta conseguisse ter a sua melhor performance no dia do combate.

PVT: Quais os pontos positivos e negativos dos camps de treinamento?

MP: Acho super valido os camps quando o foco é total no atleta que tem uma luta marcada. O atleta vai ter seus treinamentos todos monitorados e estudados, podendo ter seus sparings de acordo com o adversário e todo seu treinamento voltado para que ele possa evoluir gradativamente e atingir sua melhor forma para a data da luta.

Para atletas que ficam em camps sucessivos sem nenhuma luta marcada o risco é muito grande deste atleta ter um over-training, pois não tem planejamento e acompanhamento para saber qual volume e intensidade que ele pode e deve treinar (o famoso virar o fio).

Porém vejo isso com uma realidade somente para os atletas que estão com contratos em eventos grandes, como o UFC. Atletas iniciantes é difícil, pois os eventos chamam os atletas em cima da hora e estes precisam se manter num limiar mais elevado com um maior risco de passar do ponto e se lesionar, porém sem este risco pode aparecer uma luta em cima da hora e o mesmo não ter tempo hábil para chegar bem na luta.

PVT: O que você acha da tecnologia na preparação física, como o centro de performance do UFC?

MP: Acho fantástico, pois com a tecnologia junto a ciência pode-se ter o melhor de cada atleta. Poder avaliar e testar o atleta para saber como ele se encontra clinicamente, fisiologicamente e psicologicamente, saber o que ele precisa para que possa ter a melhor performance dia a dia ate a hora da luta.

O treinador ter acesso a isso para fazer o planejamento adequado de acordo com os resultados dos testes e avaliações a probabilidade de sucesso é bem maior, porém, para isso, é necessário que um dos treinadores tenha uma formação que permita que ele tenha conhecimentos para receber as avaliações e colocar tudo dentro do planejamento.

Vi em muitos treinamentos de atletas alguns treinadores querendo que seu treinamento fosse “melhor” ou mais “forte/puxado” que o do outro treinador e isso acabava levando o atleta a treinamentos exaustivos e o prejudicando pois em determinado momento ele já não rendia.

A falta de conhecimento cientifico da alguns treinadores é um grande problema, pois como, de uma forma geral, muitos treinadores não possuem formação ou conhecimento cientifico em treinamento, faz com que ele conduza o treinamento de forma empírica e que particularmente não acho que caiba nos dias de hoje. Vejo como primordial que em toda equipe tenha um profissional formado e capacitado para elaborar todo o período de treinamento do atleta.

PVT:: Como esta sua vida nos Estados Unidos?

MP: Hoje divido minha vida aqui dando aulas de jiu-jitsu desde crianças a adultos na American Top Team East Orlando, no judô estou fazendo o planejamento e dando treinamento físico e técnico para dois atletas da seleção americana, inclusive um deles indo para o campeonato mundial sub 21 em Marrocos em outubro, e também venho atuando como arbitro em diversos eventos de jiu-jitsu, o que foi uma novidade que tenho gostado de fazer e atuar. Na preparação física tenho feito alguns trabalhos de consultoria para a Gama Filho Martial Arts e alguns atletas individualmente.