Empurrado pela torcida caribenha ao som de Ary Barroso, Alexandre Cacareco finaliza dois, vence o bem mais pesado Heath Herring e fatura cinturão dos pesados do WVC. Esta noite histórica da Luta-Livre, terminou ainda com as vitórias de Hugo Duarte e Antônio Carlos Bigú.
Futebol, Música e Vale-Tudo
Teoricamente os três não tem absolutamente nenhuma relação entre si. Pelo menos era o que eu imaginava até aquele dia 1º de Julho de 1999, quando fui cobrir em Aruba a oitava edição do World Vale-Tudo Championship (WVC) de Frederico Lapenda.
Com apenas 94kg e uma derrota no Vale-Tudo para o wrestler americano Tim Catalfo (IVC4), Alexandre Cacareco chegou ao Caribe como azarão. Afinal, para conquistar o cinturão dos pesados do evento, o carioca teria que vencer duas lutas e, provavelmente, enfrentar na final o favorito Heath Herring, um wrestler americano de 1,93m e 120kg, que já tinha 8 lutas e 6 vitórias.
Quando subiu pela primeira vez ao octagon montado na areia da praia a poucos metros do cristalino mar caribenho, Cacareco, que imaginava enfrentar uma barulhenta torcida de turistas americanos, teve sua primeira surpresa. Assim que seu oponente o grego Astravroslakis (1,78m/86kg) entrou na jaula, alguém puxou o couro que marcaria aquela noite. “Romário ! Romário ! Romário!”.
Envaidecido pelos gritos da torcida que o achou parecido com o ídolo do futebol que cinco anos antes havia dado o tetracampeonato ao Brasil, Cacareco retribuiu o carinho dos locais derrubando, pegando as costas e aplicando um rápido mata-leão no grego, ganhando de vez a simpatia da torcida que a esta altura gritava mais forte o nome do artilheiro brasileiro.
Na semifinal nosso “Romário” dos ringues repetiu a receita contra o holandês Rodney Faverus (1,74m/85kg). Derrubou, montou e fuzilou ganhando de vez a torcida.
Enquanto isso, do outro lado da chave, Herring, apoiado pela torcida americana, tratorizava seus dois oponentes. A primeira vítima foi o grandalhão holandês Erwin Van Steen (1,90m/107kg), que pediu para parar após 4min33 de ground n´pound. Na semifinal, Herring usou a mesma receita para vencer o russo Kaukaz (1,78m/90kg), que acabou perdendo 2 dentes.
ARY BARROSO CONTRA O WRESTLING
Na grande final, a força da cultura brasileira mais uma vez fez a diferença. Quando Cacareco subiu ao octagon, tendo a desvantagem de quase 20cm de envergadura e 25kg a menos de peso, os caribenhos de colonização holandesa abafaram os gritos de USA, da torcida de Herring cantarolando a mundialmente conhecida música de Ary Barroso. “Brasil, meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro Brasil pra mim …”. Os turistas americanos ainda tentaram reagir a canção de Ary Barroso, com o clássico “USA ! USA!” , mas assim que o brasileiro conseguiu a primeira queda e seus socos começaram a entrar pela guarda do americano, os locais abafaram: “Romário ! Romário !”. Com tamanha manifestação de brasilidade fora de casa, Cacareco se agigantou e dominou o combate, derrubando Herring por mais três vezes e, para delírio dos locais, sendo declarado campeão do torneio após 30 minutos de luta. “Foi muito emocionante ter o apoio da torcida aqui, mas não vejo a hora de chegar logo em casa e comprar um ar condicionado para a minha filha e um computador para a minha esposa”, disse o novo ídolo de Aruba”, revelando que odiava viajar.
NO PEPÊ OU EM ARUBA
Inicialmente programado para fazer a super luta do evento contra o judoca e ex-lutador do UFC Remco Parduel, Hugo Duarte (1,84m /105kg) se surpreendeu ao chegar na ilha e receber a notícia que o holandês preferira entrar no torneio a enfrentá-lo. A solução encontrada por Lapenda foi colocar em seu lugar o casca-grossa russo Mikhail Avetesyan (1,80m/98kg) que vinha de um empate com Igor Vovchanchyn no AFC.
Assim que a luta começou o general da Luta-Livre derrubou o russo e em segundos o encurralou na grade, mas quando ia se ajeitar para começar a socá-lo, foi atacado nos olhos. O juiz Leonardo Castello, grande ícone do Jiu-Jitsu trazido por Lapenda para ser o juiz das lutas, advertiu o russo, o que de nada adiantou. Quando a luta foi reiniciada Mikhail insistiu e chegou a tirar sangue do olho do brasileiro. Diante da insistência, Castello parou o combate e desclassificou o russo, que revoltado, chutou as pernas de Hugo enquanto este era atendido pelos médicos.
Estava na cara que aquilo não poderia terminar, quando Hugo ia subir ao cage para comemorar a vitória de Cacareco na final do torneio, esbarrou novamente com o russo e o pau cantou ao lado do cage, em plena areia caribenha. Curiosamente o mesmo “habitat” da primeira luta entre Rickson e Hugo em 1988 (na praia do Pepê). A briga foi apartada e Hugo tentou marcar na praia ou numa sala fechada, mas seu empresário Lapenda achou melhor esquecer. “A continuação deste Brasil x Rússia será em agosto entre Vochanchyn e o campeão Hugo, mas dentro do octagon”, garantiu Lapenda, mas esta luta acabou nunca ocorrendo.
O VISIONÁRIO LAPENDA
Durante muito tempo, por conta de problemas que teve com Carlson Gracie e Marco Ruas, Frederico Lapenda chegou a ser mal interpretado no mundo das artes marciais no Brasil. Passado o tempo, porém, é importante que se reconheça a importância deste pernambucano, que hoje trabalha como produtor de filmes em Hollywood.
Foi Lapenda quem levou Carlson e Vitor Belfort para os Estados Unidos e mostrou que a história Gracie ia muito além dos filhos de Hélio. Foi ele quem colocou Marco Ruas no UFC, possibilitando o início da era do cross training que revolucionou o Vale-Tudo.
Criador do WVC, foi Lapenda quem colocou Mark Kerr e Pedro Rizzo no mundo do Vale-Tudo. Foi ele quem levou Traven e Castello para lutar na Rússia e Hugo e Cacareco para lutarem em Aruba.
Em 1995 criou o Brazilian Dream Team reunindo Carlson Gracie e Ruas Vale Tudo, mas infelizmente, devido a rivalidade que imperava na época, não conseguiu. Em 1999, logo após o WVC 8, Lapenda criou a Golden Glory junto com seu sócio Bas Boon. Como diz o ditado, “o tempo é o senhor da razão” e hoje, quem conhece a história do esporte, sabe da importância de Frederico Lapenda.